A cólera é uma doença infecciosa intestinal aguda, de extrema virulência, causada pelo Vibrio cholerae toxigênico do Grupo O1 ou O139. A ocorrência do sorogrupo O139 é restrita apenas a alguns países do Continente Asiático.
O Vibrio cholerae O1 é dividido em dois biotipos: o Clássico e o El Tor. Fatores antigênicos permitem a diferenciação desses dois biotipos em três sorotipos: Ogawa, Inaba e Hikojima. O biotipo El Tor é frequentemente associado a infecções assintomáticas e menor taxa de mortalidade, enquanto o biotipo Clássico causa manifestações clínicas mais graves com altas taxas de mortalidade.
VIGILÂNCIA AMBIENTAL DE CÓLERA EM ESGOTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO
Desde 1974, a CETESB atua no monitoramento ambiental de Vibrio cholerae O1 em amostras de esgotos em pontos representativos do estado de São Paulo para alertar sobre o início da circulação desses patógenos na população ou rastreá-lo nas situações de surtos, subsidiando as ações da vigilância epidemiológica. Esse monitoramento é realizado em parceria com a Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar do Centro de Vigilância – DDTHA/CVE, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo – SES-SP.
Os contextos internacional e nacional, a intensa mobilização da população em eventos de massa, a migração de pessoas procedentes de países com cólera, o turismo de brasileiros para áreas com a doença, e a própria mobilização populacional entre os estados do país, são condições de risco e fatores importantes para o monitoramento ambiental permanente da cólera no estado de São Paulo.
PONTOS MONITORADOS
Atualmente, a Divisão de Microbiologia e Parasitologia do Departamento de Análise Ambiental da CETESB realiza análises semanais para a pesquisa de Vibrio cholerae O1 em amostras de esgoto em 3 pontos de coleta no estado de São Paulo.
Pontos de coleta de esgoto vigentes no estado de São Paulo para realização de monitoramento ambiental de Vibrio cholerae
O monitoramento ambiental da cólera em pontos críticos previamente definidos por critérios epidemiológicos corrobora para as ações de vigilância epidemiológica, visando detectar a presença do Vibrio cholerae O1 e introduzir medidas precoces contra seu alastramento no estado de São Paulo. Sempre que necessário os pontos de coleta são revistos, ou frente a uma situação em específico poderão ser ampliados temporariamente devido ao perigo de introdução da cólera no Brasil.
AMOSTRAGEM
A amostragem para a pesquisa de Vibrio cholerae O1 em amostras de esgoto é realizada pela técnica de Moore modificada (mecha de gaze). A principal vantagem dessa técnica é a constante vigilância do ponto a ser monitorado, visto que à medida que se retira uma mecha de gaze instala-se outra. A mecha de gaze é enviada ao laboratório no meio de transporte Cary Blair. As amostras são coletadas de acordo com as orientações propostas pelo Guia de Coleta e Preservação de Amostras (ANA/CETESB, 2011). No laboratório, as amostras são armazenadas sob refrigeração (4 a 8 °C) e processadas no período de 24 a 72 horas.
(A) Esquema de preparo da mecha de gaze; (B) foto da mecha de gaze e meio de transporte Cary Blair (Foto: Ana Tereza Galvani/CETESB)
MÉTODO DE ANÁLISE
As análises são realizadas de acordo com o método descrito na Norma Cetesb L5.507 – “Vibrio cholerae – Isolamento e Identificação em água de esgoto”.
O método de análise baseia-se em dois enriquecimentos consecutivos da amostra em água peptonada alcalina com condições específicas de incubação para favorecer o crescimento do Vibrio cholerae O1 em detrimento de outras bactérias. Após o período de enriquecimentos a amostra é isolada em placas contendo o meio seletivo ágar TCBS e as colônias típicas de Vibrio cholerae O1 nesse meio são submetidas a triagem bioquímica (IAL) e confirmação sorológica utilizando o anti-soro polivalente para Vibrio cholerae O1 fornecido pelo Instituto Adolfo Lutz.
Após a realização da sorologia, as cepas com resultado positivo para Vibrio cholerae O1 isoladas pela CETESB são encaminhadas ao Instituto Adolfo Lutz (referência laboratorial do Sistema de Vigilância Epidemiológica da Cólera no Estado de São Paulo) para a realização de testes sorológicos e bioquímicos adicionais entre outros.
SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DA CÓLERA
A sétima pandemia de cólera teve início na Indonésia, em 1961, e atingiu o Brasil em 1991, pela fronteira do Amazonas com o Peru. A epidemia se alastrou progressivamente pela região Norte do Brasil e até o final de 1992, todos os estados do Nordeste foram atingidos. Casos autóctones foram registrados, sendo um caso no Rio de Janeiro e um caso no Espírito Santo.
Em 1993, houve o avanço da doença para as regiões Sudeste e Sul. A partir de 1995, observou-se uma importante diminuição do número de casos de cólera no país, sendo que entre 2002 e 2003, não houve registro de casos. Já em 2004, 21 casos autóctones foram confirmados e, em 2005 foram 5 casos confirmados, sendo esses, os últimos casos autóctones registrados no país nesse período.
A partir de 2006, não houve casos autóctones de cólera no Brasil, apenas casos importados: 1 de Angola, notificado no Distrito Federal (2006); 1 proveniente da República Dominicana, em São Paulo (2011); 1 de Moçambique, no Rio Grande do Sul (2016); e 1 da Índia, no Rio Grande do Norte (2018).
Em 2024, um caso autóctone de cólera foi detectado no Brasil, na cidade de Salvador (Bahia) com a identificação do agente Vibrio cholerae O1 Ogawa (toxigênico), confirmado por sequenciamento pelo laboratório de referência, sinalizando um importante alerta para o potencial ressurgimento da cólera no Brasil.
Atualmente, observa-se um aumento mundial na ocorrência de casos de cólera, após seguidos anos de queda. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), de janeiro de 2023 a março de 2024, 31 países registraram surtos de cólera, sendo que a Região Africana foi a mais afetada. Nas Américas, nesse mesmo período foram registrados surtos de cólera no Haiti e na República Dominicana.
A OMS classificou o ressurgimento global da cólera como uma emergência de grau 3 em janeiro de 2023. Com base no número de surtos e sua expansão geográfica, juntamente com a escassez de vacinas e outros recursos, a OMS reavaliou o risco em nível global como muito alto e o evento continua classificado atualmente como uma emergência de grau 3.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Guia nacional de coleta e preservação de amostras: água, sedimento, comunidades aquáticas e efluentes líquidos / Companhia Ambiental do Estado de São Paulo; Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico ; Organizadores: Renan Lourenço de O. Silva … [et al.] . – 2. ed. – São Paulo : CETESB ; Brasília: ANA, 2023. 456 p.
MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente Departamento de Doenças Transmissíveis Coordenação-Geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial NOTA TÉCNICA Nº 23/2024-CGZV/DEDT/SVSA/MS Detecção de caso autóctone de cólera no Brasil e recomendações para o fortalecimento das vigilâncias epidemiológicas de doenças diarreicas agudas e da cólera (VE-DDA e VE-cólera).
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/notas-tecnicas/2024/nota-tecnica-no-23-2024-svsa
MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Vigilância em Saúde Departamento de Vigilância Epidemiológica Brasília – DF 2008 MANUAL INTEGRADO DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA DA CÓLERA Distribuído no Curso sobre Vigilância das Doenças de Transmissão Hídrica com enfoque em Cólera para avaliação e aprovação da segunda edição – Brasília – DF 2008
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_integrado_vigilancia_colera.pdf
MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente Departamento de Doenças Transmissíveis Coordenação-Geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial NOTA TÉCNICA Nº 68/2023-CGZV/DEDT/SVSA/MS Alerta sobre a situação epidemiológica de cólera no mundo e recomenda o fortalecimento das vigilâncias epidemiológicas de doenças diarreicas agudas (DDA e cólera). https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/c/colera/situacao-epidemiologica/arquivos/nota-tecnica-no-68-2023-cgzv-dedt-svsa-ms
ONU News – Perspectiva Global Reportagens Humanas – OMS relata surtos de cólera em 26 países https://news.un.org/pt/story/2024/08/1836166