Autores: Agnaldo Ribeiro de Vasconcellos, Carlos Ferreira Lopes, Edson Haddad, Mauro de Souza Teixeira, Sérgio Greif.

  1. Introdução
  2. Atendimento a emergências Químicas
    1. Etapas do atendimento
      1. Aproximação inicial
      2. Organização da resposta
      3. Avaliação da situação
      4. Medida de controle
      5. Descontaminação
      6. Ações de rescaldo
  3. Acidentes em Postos e Sistemas Retalhistas de Combustíveis e sua Relação com as Áreas Contaminadas
    1. Avaliação inicial na emergência
    2. Investigação em postos de revenda durante as ações emergenciais
    3. Ações emergenciais em Postos e Sistemas Retalhistas de Combustível
  4. Atendimento à Emergência em Indústrias Abandonadas e Massas Falidas e sua Relação com as Áreas Contaminadas
  5. Acidentes no Transporte Terrestre de Produtos Perigosos como Possíveis Fontes Geradoras de Áreas Contaminadas
      1. Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos
      2. Transporte ferroviário de produtos perigosos
      3. Transporte dutoviário de produtos perigosos
  6. Fontes Geradoras de Metano
  7. Descarte de Produtos Químicos
    1. Avaliação
    2. Controle
  8. Considerações finais
  9. Referências

1. Introdução

A produção dos bens de consumo que tornam mais confortável a vida moderna envolve a extração de matérias-primas ou sua síntese a partir de elementos mais simples, seu armazenamento, seu transporte (seja rodoviário, ferroviário, aquaviário, aéreo ou por dutos), a transformação dessa matéria-prima, sua mistura, seu processamento, sua incorporação a outros processos, sua distribuição etc. Nas situações em que todas essas atividades são conduzidas de maneira controlada e dentro de certos limites toleráveis, nos quais nem o meio ambiente nem a saúde e a segurança da população são prejudicados, entende-se que os produtos químicos trazem benefícios à sociedade.

No entanto, mesmo nesses casos em que todas as etapas do processo são conduzidas de forma diligente, eventualmente, uma falha humana, uma falha operacional, uma falta de manutenção adequada, a fadiga dos equipamentos ou outros motivos quaisquer podem levar a que produtos químicos fujam do controle, extrapolando os limites daquilo que era considerado tolerável.
Quando esses eventos ocorrem de forma fortuita, não planejada, não intencional e repentina, diz-se que se trata de “Acidentes envolvendo Produtos Químicos”, ou simplesmente “Emergências Químicas”, sendo que muitos deles podem ocasionar em prejuízos para o meio ambiente, para a saúde e para a segurança da população.

Acidentes industriais, no armazenamento, nas diferentes categorias de transporte terrestre, ou em postos e sistemas retalhistas de combustível, podem resultar na formação de áreas contaminadas, caso as ações de rescaldo não sejam suficientes para restabelecer as condições de meio ambiente e segurança normais nas áreas afetadas pelo vazamento durante a fase emergencial. Nesses casos haverá demanda por um trabalho de acompanhamento pós-emergencial.

Há, ainda, situações em que uma emergência química se inicia em uma área contaminada já conhecida ou suspeita, especialmente, quando os trabalhos de remediação e acompanhamento não são realizados a contento. São exemplos desses casos as massas falidas e os postos e sistemas retalhistas de combustíveis, quando os sistemas de extração de produtos e resíduos deixam de funcionar, ou quando pessoas estranhas à área passam a fazer uso delas; ou os lixões e aterros sanitários, que podem ocasionar desde deslizamentos de resíduos sólidos até a contaminação de áreas por chorume, ou a geração de gás metano.

Embora não se possa classificar como “acidentes” stricto sensu, por não se tratarem de situações não planejadas ou não intencionais, deve se considerar outros eventos emergenciais envolvendo produtos químicos que podem ocorrer, e que podem resultar em áreas contaminadas, tais como o descarte clandestino de produtos e resíduos químicos em regiões ermas ou diretamente na rede pública de esgoto e no sistema de águas pluviais e outras ações criminosas, como as tentativas de roubo de cargas, trepanações em dutos, ações de vândalos, atentados terroristas utilizando armas químicas, biológicas, radiológicas etc.

Independente de se tratar de uma área contaminada conhecida ou não; de se tratar de produtos químicos inflamáveis, explosivos, reativos, tóxicos, asfixiantes, corrosivos, oxidantes, ou aparentemente inofensivos para o ser humano, mas danosos para o meio ambiente; de se tratar de um evento acidental ou provocado propositalmente, o atendimento à emergência química necessitará de um padrão de resposta. Dessa forma, este capítulo abordará primeiramente os aspectos comuns de resposta a qualquer emergência química, posteriormente abordando especificamente os cenários mais comuns onde podem ocorrer emergências químicas em áreas contaminadas, tais como emergências em postos e sistemas retalhistas de combustíveis, em indústrias e massas falidas, no transporte terrestre de produtos perigosos, em áreas com geração de metano e no descarte de produtos químicos.

2. Atendimento a emergências Químicas

O atendimento às emergências químicas é uma atividade de elevado risco e envolve situações críticas de tomada de decisão. Independente do cenário, o atendimento às emergências químicas deverá ter suas atividades planejadas de modo a proporcionar ações rápidas e seguras, tanto para as equipes de resposta, como para a população e ao meio ambiente (CETESB, 2014).

O objetivo de um atendimento emergencial é o de prevenir e/ou reduzir as consequências do evento às pessoas, às propriedades e ao meio ambiente restaurando, o mais breve possível, as condições de normalidade.

Dessa forma, é necessário que as equipes de resposta sejam capacitadas para atuar em distintos cenários e situações, possuam adequado conhecimento e percepção de riscos, disponham de recursos materiais compatíveis com os diversos cenários que poderão enfrentar e, por fim, que saibam atuar de forma integrada com outras instituições públicas e privadas.
Há uma variedade de equipamentos que podem ser utilizados nas ações de resposta às emergências químicas, porém, considerando que a prioridade em um atendimento é a segurança das próprias equipes de resposta, torna-se evidente que os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e os equipamentos portáteis de detecção são recursos indispensáveis para que os trabalhos sejam desenvolvidos dentro de padrões de segurança.

Os EPIs utilizados em atendimento a emergências químicas foram padronizados e classificados em quatro níveis de proteção, conforme Tabela 1.

Tabela 1 – Níveis de proteção química

Nível de proteção Características Roupa de proteção Proteção respiratória
Nível A Máxima proteção cutânea e respiratória. Traje de encapsulamento completo, luvas internas e externas resistentes a produtos químicos e botas resistentes a produtos químicos. Equipamento autônomo de respiração com pressão positiva interna à roupa.
Nível B Máxima proteção respiratória e menor proteção cutânea. Traje não encapsulado, luvas e botas resistentes a produtos químicos. Equipamento autônomo de respiração com pressão positiva externa à roupa.
Nível C Mínima proteção cutânea e respiratória. Traje não encapsulado, luvas e botas resistentes a produtos químicos. Máscara facial panorama com filtro combinado.
Nível D Roupas de trabalho Macacão, uniformes, aventais, luvas, sapatos de segurança, óculos de segurança e viseiras. Nenhuma

Fonte: Adaptado de Manual de Atendimento a Emergências Químicas, CETESB (2014).

Cabe à equipe de resposta definir o nível de proteção que será utilizado na emergência de acordo com o cenário apresentado.

Na maioria das emergências, há especial preocupação com os cenários envolvendo gases, vapores tóxicos ou inflamáveis, uma vez que eles podem colocar em risco a saúde e a segurança das pessoas, ou provocar danos ao meio ambiente.

Há grande variedade de equipamentos portáteis de detecção no mercado brasileiro, havendo destaque para os detectores multigases, uma vez que eles podem portar simultaneamente até cinco sensores. Assim, com sua utilização, pode-se monitorar a maioria dos parâmetros de maior interesse em uma emergência. A Tabela 2 apresenta os principais perigos normalmente monitorados nas emergências, o equipamento utilizado e o parâmetro de referência.

Tabela 2 – Perigos monitorados, equipamentos e parâmetros utilizados no processo de avaliação

Perigo Monitorado Equipamento Utilizado Parâmetro Monitorado e Unidade
Inflamabilidade Detector multigás LII – Limite Inferior de Inflamabilidade
(% do LII)
Oxigênio Detector multigás Concentração da substância no ambiente
(% em volume)
Gás sulfídrico e de monóxido de carbono    Detector multigás Concentração da substância no ambiente
(ppm – partes por milhão)
Compostos Tóxicos Fotoionizador ou Detector multigás Concentração de Compostos Orgânicos Voláteis
(ppm – partes por milhão)
Compostos Tóxicos Industriais Detector portátil de gases e radiação (GDA) Presença de compostos orgânicos e inorgânicos
(ppm – partes por milhão)
Metano Detector específico

(GEM 5000)

Concentração de metano
(% em volume)

2.1. Etapas do atendimento

As emergências químicas ocasionam situações muito diferenciadas, necessitando, na maioria das vezes, o desencadeamento de ações específicas para cada caso (CETESB, 2014). No entanto, de forma geral, as seguintes etapas são desenvolvidas em um atendimento:

      • aproximação inicial;
      • organização da resposta;
      • avaliação da situação;
      • medidas de controle;
      • descontaminação;
      • ações de rescaldo.

2.1.1. Aproximação inicial

A aproximação consiste no primeiro contato com a ocorrência em campo. Durante essa etapa é possível, normalmente, realizar uma avaliação preliminar do evento. A aproximação deve ser realizada de maneira segura, com posicionamento e distanciamento adequados no tocante ao local da emergência. A equipe envolvida no atendimento deverá realizar observações visuais e atentar-se às condições atmosféricas na região da emergência. Dentre as principais regras para uma aproximação segura destacam-se:

          • aproximar-se lenta e cuidadosamente;
          • manter-se sempre de costas para o vento, tomando como referência o ponto do vazamento;
          • evitar manter qualquer tipo de contato com o produto químico (tocar, inalar, pisar etc.);
          • se o produto for inflamável, todas e quaisquer fontes de ignição deverão ser eliminadas, como: cigarros acesos, motores ligados, desenergização de sistemas de alimentação elétrica, remoção de veículos que estejam nas imediações, arraste de ferramentas, de peças e acessórios metálicos, de geradores de calor e centelhas, entre outras.

A equipe poderá identificar algum risco que julgue ser merecedor do desencadeamento de ações imediatas, tais como a evacuação de pessoas da área de risco, ação essa que, sempre que possível, deve ser realizada por representantes da Polícia Militar e da Defesa Civil.

Ainda nessa etapa a área poderá ser sinalizada e isolada com faixas, cones e placas, de modo a restringir a circulação de pessoas e veículos. Porém, antes de realizar o isolamento, a equipe deverá determinar os riscos principais com potencialidade para causar lesões às pessoas e impactos ao meio ambiente. O isolamento poderá ser feito num raio a partir do ponto de vazamento ou, de forma parcial, abrangendo uma ou mais direções.

2.1.2. Organização da resposta

Dependendo do cenário da emergência, muitas instituições públicas poderão atuar, entre elas Corpo de Bombeiros, Defesa Civil, órgão ambiental, vigilância sanitária e epidemiológica, Polícia Militar, dentre outras. Assim, é conveniente estabelecer uma sistemática de trabalho para essas situações, por meio da definição de zonas de trabalho (Figura 1) (CETESB, 2014). É recomendável estabelecer quatro zonas de trabalho:

            • zona quente: trata-se de uma área imediatamente adjacente ao acidente cujo ingresso e permanência exigem proteção adequada. Nessa área devem ingressar apenas os técnicos que estiverem realizando as ações de controle da emergência. Concluída sua atividade, o técnico, mesmo estando devidamente protegido por EPIs, deverá se retirar imediatamente para uma zona mais segura;
            • zona morna: trata-se da área adjacente à zona quente, onde está situado o corredor de redução de contaminação e, de forma eventual, o pessoal de apoio às ações de controle da emergência. Técnicos na zona morna devem utilizar o mesmo nível de proteção da equipe que ingressou na zona quente ou, no mínimo, um nível de proteção abaixo, pois nessa zona pode haver concentração perigosa do produto envolvido na emergência;
            • zona fria: trata-se da área perimetral à zona morna, onde não poderá haver concentração do produto envolvido na emergência. É nessa zona que ficam instaladas as áreas de apoio, viaturas e pessoal envolvidos com o atendimento;
            • zona de exclusão: nessa área permanecerão as pessoas e instituições que não possuem qualquer envolvimento direto com a ocorrência, como imprensa e comunidade, entre outros.
Figura 1– Zonas de trabalho para emergências químicas. Fonte: CETESB.

Sempre que possível, o estabelecimento dessas zonas deverá ser realizado com o apoio de equipamentos portáteis de detecção. Deve-se evitar o estabelecimento de zonas de trabalho de forma empírica. A não disponibilidade desses recursos exigirá das equipes, conhecimentos técnicos associados à identificação de vários elementos no cenário acidental para embasar a definição das zonas de trabalho.

Outro aspecto importante refere-se ao fato de que as instituições possuem diferentes atribuições e responsabilidades na emergência, necessitando de articulação entre si para desempenharem suas funções. Assim sendo, a integração entre as equipes de diferentes campos de atuação é de fundamental importância para uma adequada qualidade na resposta emergencial. Dessa forma, torna-se necessário o estabelecimento de um Posto de Comando – PC, o qual deverá ser coordenado por um ou mais representantes de cada entidade envolvida no atendimento. O Posto de Comando é uma organização no local da ocorrência, de função gerencial, com a finalidade de planejar, organizar, dirigir e controlar as ações de resposta (CETESB, 2014).

2.1.3. Avaliação da situação

Avaliação é o processo de coleta e análise das informações sobre a ocorrência. Essa etapa tem por finalidade dimensionar a natureza e a gravidade do evento, de modo a permitir a identificação de frentes de trabalho, seus respectivos níveis de prioridade, ações de controle a serem adotadas para cada frente levantada e os recursos humanos e materiais necessários para a sua realização. Todos esses elementos são as bases para o desenvolvimento das ações de controle da emergência.

Portanto, é absolutamente necessário que a avaliação inicial do cenário (e as avaliações subsequentes) seja desenvolvida e executada por pessoal técnico devidamente capacitado para tal, uma vez que erros de avaliação poderão agravar a situação, acarretando consequências inesperadas. Além disso, a equipe encarregada dessa avaliação deverá dispor de equipamentos de proteção individual e de detecção ambiental adequados para essa tarefa. Equipes sem recursos apropriados podem ter desempenho limitado em sua capacidade de avaliar e controlar a emergência.

Via de regra, a prioridade na avaliação é a de identificar rapidamente situações que possam gerar incêndios, explosões e formação de nuvens tóxicas, assim como consequências adversas em áreas afastadas ou externas a uma instalação fixa.

Geralmente, para locais que apresentam pouca ventilação, como edificações, em que a equipe deve ingressar, o monitoramento deverá ser orientado primeiro para a existência de vapores ou gases inflamáveis, deficiência ou excesso de oxigênio e concentração de vapores tóxicos.
Para ambientes abertos e bem ventilados, a presença de gases inflamáveis e deficiência de oxigênio representam um risco em menor escala. Locais que apresentam depressões topográficas ou mesmo baixo relevo, ainda que abertos e ventilados, poderão reter a nuvem de produto.

2.1.4. Medida de controle

A partir dos resultados obtidos na etapa de avaliação, deverão ser definidas as ações para o controle da emergência, que envolverá métodos, procedimentos e técnicas para prevenir ou reduzir a dispersão de produto no ambiente. Essas medidas de controle podem incluir extinção de fogo, queima controlada, neutralização, construção temporária de barragens e diques de contenção, aplicação de materiais para estancar vazamentos, aplicação de neblina-d’água, utilização de materiais absorventes e outras.

As técnicas frequentemente utilizadas pelas equipes de resposta para o controle de uma emergência química são estanqueidade do vazamento e contenção de produto vazado.
Estanqueidade consiste de métodos e técnicas utilizadas para restringir o produto ao seu recipiente ou embalagem. Dentre os recursos mais comumente utilizados destacam-se os batoques confeccionados em madeira, PVC, teflon, latão e alumínio, as massas de vedação, as tiras de borracha e as fitas adesivas especiais.

Contenção consiste de métodos utilizados para eliminar ou restringir o espalhamento do produto liberado no meio. As técnicas de contenção a serem adotadas dependem das características do produto vazado, da quantidade envolvida, do cenário da ocorrência e do compartimento ambiental atingido, podendo ser o solo, a atmosfera, o corpo de água (incluindo mar e águas interiores, como lagos, lagoas, córregos) ou a água subterrânea.

Para a contenção de produto no solo pode-se realizar o desvio controlado de um líquido de uma área para outra, na qual os efeitos ao homem e ao ambiente possam ser substancialmente reduzidos. Outra possibilidade é a construção de diques para conter ou controlar o deslocamento de líquidos de uma área para outra (Figura 2). A melhor técnica a ser utilizada em cada caso dependerá de fatores como tempo disponível para as ações, recursos humanos e materiais disponíveis, e potencial de risco oferecido pelo produto.

Figura 2 – Diques para a contenção de produto químico no solo. Fonte: CETESB.

Para a contenção de produto na atmosfera pode-se aplicar neblina-d’água para abater e/ou dispersar uma nuvem de gás ou vapor. Essa ação será mais efetiva se o produto envolvido for solúvel em água, como ocorre com a amônia, ou se o produto reagir com a água, como ocorre com o cloro, cuja reação gera a formação de ácido clorídrico. Nesse caso, ao se aplicar neblina-d’água sobre a nuvem ocorrerá a sua solubilização e deposição no solo, podendo assim ser contido, por exemplo, em um dique, e recolhido para disposição adequada. É importante considerar a possibilidade de ocorrer a evaporação do produto depositado no solo, caso não esteja bem diluído em água.

A contenção de produto em corpos de água poderá ocorrer por meio da utilização de barreiras de contenção e/ou absorção, desde que o produto seja insolúvel e menos denso que a água. Para os demais produtos, a intervenção será passiva e vai requerer ações de monitoramento e definição de procedimentos específicos para cada caso, cabendo ao órgão ambiental coordenar tais ações.
Evidentemente, há uma grande variedade de ações de controle de emergências, sendo que algumas delas serão abordadas nos cenários específicos neste capítulo.

Ressalta-se que a empresa geradora de uma emergência química tem a responsabilidade legal de atender às demandas dos órgãos públicos e, portanto, deverá disponibilizar recursos humanos e materiais para suprir todas as necessidades do atendimento, com a devida brevidade que a situação requer.

2.1.5. Descontaminação

Mesmo com a adoção de boas práticas de trabalho, a contaminação da equipe de resposta que realiza a entrada na zona quente pode ocorrer devido ao contato com vapores, gases, névoas ou material particulado, respingos ou contato direto com poças do produto químico, contato com solo contaminado e manipulação de instrumentos ou equipamentos contaminados (CETESB, 2014).

Dessa forma, é necessário adotar ações para restringir o espalhamento da contaminação. A sistemática mais utilizada para essa finalidade é o estabelecimento de um processo de descontaminação que consiste na remoção física de contaminantes ou na alteração de sua natureza química para substâncias mais inócuas. O termo é comumente empregado para se referir à descontaminação de EPIs, instrumentos, equipamentos ou vítimas que estiveram na zona quente.

O processo de descontaminação tem por objetivo principal evitar a ampliação da contaminação, ou seja, evitar que pessoas que estiveram na zona quente carreiem o contaminante para áreas não contaminadas. Tem também como objetivo evitar a contaminação tanto da equipe de entrada quanto da equipe que estiver ajudando na retirada dos equipamentos de proteção individual. (CETESB, 2014)

Para tal finalidade, deve-se estabelecer um Corredor de Redução de Contaminação (CRC), o qual deve ser instalado entre a zona quente e a zona fria, na chamada zona morna. Nesse corredor, de maneira sequencial lógica, ocorrerá a lavagem com água e detergente (na maioria dos casos) e posterior remoção de luvas, botas, roupas de proteção química e equipamento de proteção respiratória. A água de lavagem deve ser coletada e tratada como resíduo da ocorrência. O CRC é rota obrigatória de saída da zona quente.

Com relação aos equipamentos portáteis de detecção utilizados durante o atendimento emergencial, deverão ser adotadas ações de modo a prevenir sua contaminação, pois, uma vez que eles tenham sido contaminados, torna-se muito difícil limpá-los sem danificá-los.

Os veículos utilizados nos atendimentos, tais como caminhões, pás-carregadeiras e outros equipamentos pesados, na maioria das vezes, são de difícil descontaminação. Normalmente, o método de descontaminação mais utilizado consiste, basicamente, em se lavar o veículo com água pressurizada ou esfregar as áreas acessíveis com uma solução de detergente e água pressurizada.

2.1.6. Ações de rescaldo

A última etapa do atendimento, porém não menos importante, tem por finalidade o desenvolvimento de atividades voltadas para o restabelecimento das condições normais nas áreas afetadas pelo produto envolvido na emergência, tanto do ponto de vista da segurança como do ponto de vista ambiental. Caso esta etapa não seja realizada a contento o contaminante permanecerá no local, podendo ocasionar em área contaminada.

3. Acidentes em Postos e Sistemas Retalhistas de Combustíveis e sua Relação com as Áreas Contaminadas

Das atividades que armazenam e comercializam combustíveis automotivos, destacam-se os postos de combustíveis que, no Brasil, somam 40.970 estabelecimentos, sendo que deste total, 20,8% se concentram no Estado de São Paulo (ANP, 2020).

Entre os anos de 1978 e 2003, a CETESB atendeu a 522 ocorrências em postos de combustíveis, o que representou 9,6% dos atendimentos emergenciais realizados. Por outro lado, durante o ano de 2021, foram atendidas oito ocorrências, ou 2,89% do total de emergências atendidas pela Companhia. Essa redução no número guarda relação com o processo de licenciamento ambiental e com a adoção da Resolução CONAMA nº 273/2000 (Brasil, 2000), que tornou esses estabelecimentos mais seguros e com menos chances de ocasionar vazamentos.

A atividade de comercialização de combustíveis automotivos, quando realizada sem os requisitos técnicos, bem como sem a observação às boas práticas de trabalho, oferece um risco potencial à segurança da população circunvizinha, ao patrimônio público e privado e ao meio ambiente (CETESB, 2021a).

Ainda que essas instalações operem dentro de requisitos técnicos mais seguros por força da legislação, esses eventos se manifestam, em sua maioria, tanto como contaminações superficiais provocadas por constantes e sucessivos derrames junto às bombas e bocais de enchimentos dos reservatórios de armazenamento, como pelos vazamentos em tanques e tubulações subterrâneas.

Os vazamentos de combustíveis são geralmente percebidos após o afloramento do produto em galerias de esgoto, redes de drenagem de águas pluviais, no subsolo de edifícios, em túneis, escavações e poços de abastecimento de água, interior de residências ou estabelecimentos comerciais, razão pela qual as ações emergenciais requeridas durante o atendimento a essas situações requerem a participação de diversos órgãos públicos, além do envolvimento do agente poluidor e suas respectivas subcontratadas (CETESB, 2021a; Gouveia, 2004).

A partir da notificação da ocorrência ou suspeita de vazamento, seja pela população, seja por outros órgãos públicos ou privados, cabe à CETESB, por meio do Setor de Atendimento a Emergências, desencadear o atendimento à reclamação, por meio de uma avaliação da situação e realização de um minucioso trabalho de investigação, de forma a identificar o contaminante envolvido, avaliar o risco instalado, identificar a fonte geradora do fato e supervisionar e coordenar as ações emergenciais e corretivas a serem desencadeadas.

3.1. Avaliação inicial na emergência

Uma primeira ação consiste na realização de uma minuciosa inspeção do local suspeito de estar contaminado, a fim de constatar, ou não, a existência de odor característico de produto combustível, a presença de gases ou vapores inflamáveis ou a presença de produto combustível em fase livre, com a medição dos seguintes parâmetros:

        • índices de inflamabilidade;
        • concentrações de compostos orgânicos voláteis – COV;
        • concentração de oxigênio em ambientes confinados;
        • fase livre sobrenadante de hidrocarbonetos.

Normalmente, o sistema hidráulico e sanitário no interior das edificações são os pontos mais vulneráveis à emanação dos odores por estarem diretamente ligados às redes públicas de esgoto e águas pluviais. São exemplos desses pontos vulneráveis os ralos, pias, lavabos, vasos sanitários e as caixas de inspeção doméstica de esgotos e águas pluviais.

As inspeções e monitoramentos no interior das edificações não devem se restringir unicamente aos pontos citados, podendo se estender para outros pontos, como orifícios e fissuras nos pisos e paredes, quadros de força, tomadas, interruptores e condutos de redes elétricas e de telefonia, caixas de rebaixamento de lençol freático em subsolo de edifícios, porões, poços de elevadores etc.

Constatadas irregularidades ou avarias nos pontos mencionados, os moradores ou proprietários devem ser orientados para manter o local ventilado e providenciarem os reparos para evitar a penetração dos odores e vapores ao interior da edificação.

Uma vez que existam indícios de contaminantes nas edificações, procede-se à avaliação nas galerias públicas subterrâneas, pois, em sua grande maioria, elas não são estanques estando, portanto, sujeitas às infiltrações de vapores ou fase líquida dos combustíveis presentes no subsolo e no aquífero freático (Figura 3). Devem então ser monitorados caixas de inspeção de esgotos e de águas pluviais, poços, fossas sépticas, redes subterrâneas de esgoto, águas pluviais, de energia elétrica, telefonia ou de outras concessionárias (GOUVEIA, 2004).

Figura 3 – Monitoramento realizado em galeria subterrânea de telefonia para verificação da presença de gases/vapores inflamáveis. Fonte: CETESB.

Por meio dos monitoramentos com equipamentos portáteis, são avaliados os riscos associados às substâncias presentes em tais sistemas, o que vai nortear as ações de controle emergenciais mais pertinentes para cada caso.

A partir da observação da topografia do terreno e da área circunvizinha, é possível estabelecer os empreendimentos suspeitos de gerar uma contaminação a partir de vazamentos. Os estabelecimentos situados em cotas mais elevadas, relativamente ao ponto de origem da investigação, são os mais prováveis geradores da contaminação. Dentre essas fontes pode-se citar os postos e sistemas retalhistas de combustíveis automotivos, oficinas mecânicas, lava-rápidos, geradores de condomínios, gráficas, entre outras fontes.

Em muitos casos, com a migração pelo sistema hidrogeológico, o produto pode atingir galerias públicas subterrâneas não estanques que, uma vez saturadas por vapores, podem ocasionar a contaminação de edificações devido ao retorno dos vapores pelos sistemas subterrâneos ligados às redes públicas.

Complementando os trabalhos de avaliação inicial na emergência, deve também ser realizada uma inspeção no empreendimento suspeito ou causador do vazamento do combustível, sendo avaliadas as condições das instalações e os diferentes aspectos construtivos e operacionais do empreendimento.

3.2. Investigação em postos de revenda durante as ações emergenciais

Caso a fonte suspeita recaia sobre um posto de revenda, deve ser avaliada a infraestrutura do estabelecimento e alguns dos seus aspectos construtivos. Em razão de serem poucas as formas de se constatar os vazamentos de produto nos equipamentos enterrados, convém solicitar informações detalhadas ao proprietário do empreendimento ou seu representante, durante as inspeções, a respeito da quantidade e das condições dos seguintes equipamentos:

        • Tanques: devem apresentar parede dupla com sensor intersticial para monitoramento e câmaras de acesso à boca de visita impermeável;
        • Unidades de abastecimento (bombas): câmara de contenção estanque e impermeável;
        • Tubulações enterradas: flexíveis e não metálicas;
        • Respiro dos tanques: tubulações aéreas e metálicas;
        • Tubulações de descarga: enterradas, flexíveis e não metálicas;
        • Sistema de armazenamento de resíduos oleosos: tanques subterrâneos de parede dupla ou aéreos providos de bacia de contenção coberta e impermeável;
        • Filtros de óleo diesel: com câmara de contenção e tubulações enterradas flexíveis e não metálicas;
        • Piso: pista em concreto armado e provido de drenagem localizada sob a área protegida pela cobertura. A drenagem deve convergir para o sistema de separação de água e óleo (SAO);
        • Área de descarga: piso em concreto armado provido de drenagem convergindo para o sistema de SAO;
        • Área de lavagem de veículos: providas de caixa de areia e caixa SAO.

Durante a inspeção, tais dispositivos devem estar manutenidos, limpos, livres da presença de combustíveis ou resíduos oleosos. A pista não deverá possuir trincas ou fissuras, de modo a evitar a infiltração de combustíveis em razão de eventual derramamento.

Caso seja constatada a presença de poços de monitoramento ao longo do piso, deverá ser realizado monitoramento nesses poços a fim de constatar possível presença de vapores orgânicos ou inflamáveis, bem como a presença de fase livre de combustível (Figura 4).

Figura 4 – Inspeção em poço de monitoramento para verificação de combustível em fase livre. Fonte: CETESB

Outra possibilidade a ser investigada, é a existência de tanques subterrâneos desativados o que pode ser um forte indício da existência de passivo ambiental.

3.3. Ações emergenciais em Postos e Sistemas Retalhistas de Combustíveis

As ações emergenciais são desencadeadas e implementadas pelos órgãos públicos envolvidos, nos primeiros momentos do atendimento. A responsabilidade pela realização das medidas necessárias à eliminação dos riscos é imputada ao agente causador da contaminação sob a orientação e coordenação de instituições competentes afetas ao tema.

As características físicas do produto envolvido, tais como a pressão de vapor, densidades do líquido e do vapor, solubilidade na água, limites de inflamabilidade e ponto de fulgor, permitem prever o comportamento do produto no meio, definir as técnicas mais adequadas que devem ser adotadas e determinar quais equipamentos devem ser utilizados nas monitorações.

Uma vez que as áreas sob risco tenham sido delimitadas após os monitoramentos, procede-se ao imediato isolamento e sinalização delas. As áreas evacuadas podem ser ampliadas ou reduzidas em razão de monitoramentos realizados no transcorrer do atendimento emergencial.

Em ambientes confinados, sobretudo, convém desativar todos os sistemas elétricos, inclusive os equipamentos mecânicos com princípio de funcionamento à base de queima de combustível. O tráfego de veículos em garagens subterrâneas de edifícios deve ser evitado, bem como qualquer outra atividade que possa gerar centelhamento por atrito.

A abertura de caixas de inspeção e caixas de rebaixamento do lençol freático, bem como, a remoção de tampas de poços de visita de acesso às galerias subterrâneas, são operações críticas, para as quais uma boa forma de prevenir riscos de explosão é a utilização de neblina-d’água, para abater os vapores e evitar a geração de centelhas.

Quando do afloramento de combustíveis automotivos em qualquer ambiente, uma das primeiras medidas é a realização do imediato recolhimento da fase líquida do produto. Para produtos miscíveis, como é o caso do álcool etílico, ele é recolhido juntamente com a água. No caso da gasolina e óleo diesel que formam fase líquida sobrenadante, o produto pode ser seletivamente recolhido evitando-se o recolhimento indiscriminado de água e, em consequência, gerando-se uma menor quantidade de resíduo.

Nos casos em que ocorre o aparecimento de pequena quantidade de produto combustível em pequenos ambientes, tais como caixas de captação do lençol freático, poços de água tipo cacimba, caixas de inspeção de esgoto doméstico e caixas de inspeção de águas pluviais, entre outros, o produto pode ser recolhido e acondicionado em tambores, utilizando-se baldes e mantas absorventes oleofílicas, sendo que, após seu uso são acondicionadas em sacos plásticos apropriados, para posterior destinação final adequada.

Ocorrendo o aporte contínuo de volumes consideráveis de produto combustível nos ambientes citados, pode-se optar pela sucção do produto, por meio de caminhões-vácuo ou bombas de transferência, sendo que os equipamentos e veículos devem possuir características que evitem a geração de calor ou centelhas. O aterramento de todo o conjunto, veículo e bomba, para evitar ignições geradas pela diferença de potencial elétrico, é fundamental.

Os trabalhos de recolhimento de combustível podem ser otimizados com a utilização de equipamentos flutuantes, conhecidos como skimmers. Entretanto, sua principal limitação operacional refere-se às lâminas de produtos sobrenadantes de espessuras muito delgadas ou iridescentes, para as quais os materiais absorventes oleofílicos são mais eficientes (LOPES, et. al. 2005).

Nos corpos de água superficiais são utilizadas várias técnicas de combate, dentre as quais destacam-se a instalação de barreiras de contenção e/ou barreiras absorventes, direcionamento do produto e recolhimento com caminhões-vácuo e a aplicação de materiais absorventes granulados.

Uma vez que os vapores inflamáveis dos derivados de petróleo possuem densidade maior que a do ar atmosférico, e dependendo do grau de confinamento, dificilmente ocorrerá a expulsão desses vapores de forma natural. Assim sendo, deve-se promover o arraste dos vapores do produto, por vias mecânicas, sendo a exaustão e a ventilação por meio de equipamentos fixos ou móveis, as técnicas mais utilizadas. O sistema elétrico ou mecânico de acionamento dos equipamentos deve ser à prova de explosão.

A presença de fase líquida de combustível no ambiente é um fator limitante a esse processo, pois a exaustão ou ventilação sobre a superfície do líquido provocará o aumento da sua taxa de evaporação devido à constante renovação de ar no local, propiciando a continuidade da volatilização do produto. Por outro lado, a ventilação forçada somente deve ser utilizada em locais onde a concentração dos vapores inflamáveis esteja abaixo do Limite Inferior de Inflamabilidade (LII), já que pode ocorrer a geração de eletricidade estática pelo atrito das partículas presentes no ar ambiente, e sempre criando pontos de alívio satisfatório para a dispersão dos vapores, como por exemplo, abrindo-se as janelas e portas dos imóveis. Entretanto, não se deve realizar a ventilação forçada em redes de esgoto, uma vez que esse procedimento promoverá o espalhamento dos vapores inflamáveis, com a consequente migração deles para o interior das edificações, através das suas redes hidráulicas.

Os ambientes confinados afetados devem ser drenados e em seguida lavados com água a alta pressão, para reduzir a impregnação do produto nas paredes, inclusive com a utilização de detergentes biodegradáveis, para facilitar sua remoção. Se o ambiente for estanque como, por exemplo, as caixas subterrâneas de passagem de cabos de telefonia, recomenda-se a sucção da água e do contaminante.

Outra técnica largamente empregada para evitar o acúmulo de vapores inflamáveis em ambientes confinados, sobretudo nas galerias subterrâneas, é a aplicação de líquido gerador de espuma – LGE. Uma vez preenchido todo o ambiente, evita-se a continuidade da evaporação pela criação de uma barreira física, bem como a eliminação dos espaços passíveis de serem ocupados pelos vapores.
Concomitante às medidas acima descritas, pode-se lançar mão de outras estratégias de controle destacando-se a eliminação da fonte do vazamento, a interceptação da pluma de contaminação e a instalação de barreiras físicas de contenção.

A eliminação da fonte do vazamento de combustível compreende os reparos ou as substituições necessárias, sendo que se tratando de tanques, recomenda-se seu esvaziamento e, em seguida, desativação e remoção. Havendo impossibilidades técnicas para a remoção, eles podem ser desativados definitivamente, mantidos enterrados no local e preenchidos com material inerte (por exemplo, areia).

A escavação de trincheiras ao longo do possível caminho preferencial do produto combustível no subsolo apresenta resultados positivos na interceptação do produto, pois impede a continuidade da migração para os ambientes que se almeja proteger.

A implantação de um sistema de ponteiras, com bombeamento a vácuo, normalmente provoca o rebaixamento do aquífero freático e, em consequência, a reversão do fluxo preferencial do lençol, com a atração da pluma de contaminação, bem como a implantação de uma linha de poços de bombeamento, entre a origem da contaminação e os demais pontos afetados, cujos efeitos, dependendo do porte e das características hidrológicas e geológicas da área, são bem eficientes.

A instalação de barreiras físicas que impeçam a continuidade da migração do produto infiltrado no subsolo, como por exemplo, o envolvimento externo das redes subterrâneas ou das caixas ou poços de visita de acesso às redes com mantas impermeáveis, resistentes aos combustíveis automotivos, também surtem efeitos satisfatórios. Outro método é o bloqueio dos condutos das redes subterrâneas, evitando a ampliação das áreas afetadas e restringindo o risco.

Esses procedimentos, em sua maioria, são paliativos e visam à eliminação ou à redução imediata de riscos acentuados, não sendo encarados como solução da contaminação ocorrida, para a qual, são necessárias medidas de médio e longo prazo, que possibilitem a remediação do local e das áreas adjacentes impactadas e seu restabelecimento às condições normais. Caso ocorra o aumento das concentrações de vapores e dos índices de inflamabilidade, os procedimentos devem ser imediatamente revistos, em razão do cenário e dos resultados das monitorações realizadas e, se necessário, diferentes procedimentos emergenciais podem ser aplicados, simultaneamente.

Em casos em que haja suspeita de vazamentos, pode ser solicitada a realização de sondagens investigativas na área do empreendimento e em áreas adjacentes, para amostragem do solo e da água subterrânea, com a finalidade de comprovar a contaminação da área, seja ela proveniente de um vazamento atual ou de vazamentos pretéritos.

Ainda, pode ser solicitada a realização de testes de estanqueidade no Sistema de Armazenamento Subterrâneo de Combustíveis – SASC, com o intuito de confirmar se o mesmo se encontra estanque, os quais também permitem definir qual parte do sistema apresenta perda do produto.

4. Atendimento à Emergência em Indústrias Abandonadas e Massas Falidas e sua Relação com as Áreas Contaminadas

Áreas industriais abandonadas ou massas falidas, que no passado utilizaram substâncias químicas, ao encerrarem suas atividades, seja por razões econômicas, comerciais ou ambientais, podem deixar um passivo ambiental na área. Esse passivo ambiental é composto de produtos químicos e resíduos perigosos que podem estar armazenados de forma inadequada (Figura 5), muitas vezes lançados diretamente sobre o solo ou em condições precárias de armazenamento e, não raro, próximo à ocupação humana (VASCONCELLOS, 2018).

Figura 5 – Galpão abandonado com resíduo contaminado. Fonte: CETESB.

Os resíduos comumente negligenciados em indústrias abandonadas e massas falidas, sejam na forma líquida ou sólida, em geral, representam perigos associados à inflamabilidade, corrosividade e toxicidade, normalmente decorrentes da emanação de compostos orgânicos voláteis – COV e, até mesmo, da reatividade de determinadas substâncias com a água, o que pode proporcionar sérios riscos à saúde, à vida da população e ao meio ambiente (VASCONCELLOS, 2018).

Os atendimentos emergenciais em indústrias abandonadas ou massas falidas onde se encontram ou se encontraram armazenados produtos químicos e resíduos perigosos têm como finalidade reduzir os danos provocados por esse tipo de ocorrência, evitando a formação de áreas contaminadas.

Antes mesmo de proceder qualquer intervenção em locais com tais características, é importante, primeiramente, realizar o acionamento dos responsáveis legais, seja ele o proprietário da empresa, o proprietário do imóvel ou, em caso de massas falidas, o síndico administrador. Tal acionamento objetiva, antes da adoção de qualquer procedimento, resgatar o histórico das atividades desenvolvidas no local, e assim tentar identificar os tipos de substâncias que possivelmente estejam ou estiveram ali armazenadas.

Outra possibilidade de identificação dos resíduos ali depositados é tentar buscar informações contidas nos rótulos das embalagens, contudo deve-se ter extremo cuidado, pois em muitos casos o que está indicado no rótulo não condiz com o produto que se encontra armazenado nos contentores.

Rótulos de identificação de produtos podem fornecer dados referentes ao fabricante ou distribuidor desses produtos, que devem responder solidariamente pelos contêineres, caso o responsável legal não se apresente ou não tenha condições de arcar com os custos do processo. Nestes casos, o fabricante ou o responsável pela distribuição poderão ser acionados para auxiliar na adoção de medidas de intervenção para eliminar os riscos.

Nos casos de atendimentos emergenciais envolvendo, principalmente, massas falidas, normalmente não se tem informações a respeito dos produtos armazenados, o que obriga as equipes de resposta a planejar a estratégia de atuação para avaliação dos riscos instalados de forma mais cautelosa.

A etapa de avaliação inicial deve ser realizada de maneira segura, e para isso as equipes devem, com auxílio de detector multigás, averiguar se há presença de gases ou vapores inflamáveis, bem como mensurar as concentrações de oxigênio no interior das instalações. (Figura 6).

Figura 6 – Avaliação inicial da área, utilizando detector multigás. Fonte: CETESB.

Valores do LII (Limite Inferior de Inflamabilidade) acima de 20% indicam risco de incêndio ou explosão, requerendo de imediato a eliminação de fontes de ignição e a adoção de procedimentos para diminuição dessas concentrações, como ventilação ou exaustão do local, principalmente em se tratando de ambientes fechados.

Outra condição de risco a ser monitorada são as concentrações de vapores tóxicos (Compostos Orgânicos Voláteis – COV), o que deve ser realizado com o auxílio de um fotoionizador.

O monitoramento deve ser realizado periodicamente, principalmente no início das operações quando da movimentação das embalagens, pois é nesse momento que as substâncias tendem a evaporar com mais intensidade.

Os níveis de concentração obtidos no monitoramento devem servir de referência às equipes no planejamento das ações, como por exemplo, no estabelecimento das zonas de trabalho, como também definir os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) a serem utilizados nas diversas etapas da operação.

O processo de avaliação inicial, além de considerar os aspectos relacionados aos riscos associados aos resíduos e sua classificação, deve estimar a quantidade de material armazenado na área.
É importante que se realize inventário do material armazenado nas instalações, mesmo que estimado, e se verifique as condições nas quais as embalagens estão dispostas, pois esse embasará, com as informações necessárias, a elaboração de um plano estratégico de intervenção para a remoção e destinação dos resíduos.

O referido plano tem por objetivo definir, com critérios, quais atividades deverão ser desenvolvidas, quem são os responsáveis por cada etapa da operação e a forma como ela deverá ser executada, além do que, determinar quais recursos humanos e materiais serão necessários para a execução dos trabalhos.

Cabe lembrar que o atendimento à emergência química em áreas abandonadas, como nesses casos, pode envolver a participação de diversos órgãos como Defesa Civil, Setor Saúde, Agência Ambiental, Polícia, empresas de iniciativa privada, dentre outros. É aconselhável que todas essas instituições participem da elaboração do plano, e que ele contemple minimamente alguns aspectos importantes, tais como:

    • contratação de empresa especializada e mão de obra qualificada para realização da operação;
    • disponibilização de infraestrutura (maquinário, embalagens, transporte) e equipamentos de proteção individual (EPI) destinado às equipes de operação;
    • esclarecimento à população vizinha quanto aos procedimentos adotados durante a realização dos trabalhos;
    • implementação de sinalização de segurança na área de trabalho e acesso ao local (zonas de trabalho);
    • comunicação ao órgão de trânsito local sobre a movimentação de caminhões;
    • emissão de documentação necessária exigida pelos órgãos competentes, principalmente para destinação dos resíduos;
    • manutenção de comunicação direta com os órgãos competentes em caso de situações de emergência durante o transcorrer dos trabalhos;
    • realização de registro diário das atividades e ocorrências;
    • apresentação de relatórios periódicos de expedição dos resíduos destinados;
    • realização de procedimento de raspagem do solo e limpeza superficial da área;
    • destinação do solo resultante da raspagem e limpeza superficial como resíduo perigoso;
    • apresentação, ao final dos trabalhos, de relatório com o registro das atividades desenvolvidas e resultados alcançados, com registro fotográfico.

Por se tratar de resíduos químicos armazenados por longo período, é comum que as embalagens se encontrem em condições precárias (amassadas, enferrujadas ou abertas), e estocadas de forma a oferecer risco, muitas delas apresentando vazamento. Consequentemente, isso significa que os resíduos poderão estar em contato direto com o solo, o que aumenta o risco e dificulta todo o processo de remoção.

Dependendo do estado das embalagens e recipientes, caso esses apresentem problemas de integridade ou não atendam à legislação vigente, pode haver necessidade da transferência de produto para novas embalagens antes do início das operações de movimentação.

Tal procedimento deve ser realizado com extremo cuidado, utilizando sempre equipamento compatível, como por exemplo, bombas de transferência intrinsicamente seguras (à prova de explosão), no caso de produtos inflamáveis. O risco de inflamabilidade poderá ser verificado por meio de equipamento adequado.

Durante o processo de transferência, a atenção deverá estar voltada para a incompatibilidade entre produtos, evitando-se misturar produtos e resíduos com características diversas ou desconhecidas, evitando-se assim a ocorrência de reações violentas, exotérmicas ou que gerem subprodutos tóxicos.

Uma vez removidos do local de armazenamento, as embalagens devem ser encaminhadas a um espaço previamente definido como zona morna ou “área de expedição”.

A área de expedição deve ser um local facilmente acessível para a entrada de maquinários que atuaram na zona quente, assim como dos caminhões que serão utilizados para o transporte dos produtos e resíduos para sua destinação final.

Ela deve ter, ainda, espaço suficiente para acondicionar os produtos e resíduos de forma segura, sobre paletes, com contenções e para se proceder o adequado manuseio dos recipientes (movimentação interna, a segregação dos resíduos, a avaliação das condições dos frascos, a identificação, o registro fotográfico etc.).

Atentar para que as embalagens utilizadas no envase dos resíduos perigosos e sua identificação estejam em conformidade com a legislação vigente.

É importante que as embalagens sejam identificadas no mínimo com as seguintes informações:

    • Designação do nº ONU;
    • Código de Identificação – NBR 10.004;
    • Denominação/Caracterização;
    • Gerador;
    • Destinatário;
    • Frase de atenção: Este recipiente contém resíduos perigosos. Manusear com cuidado. Risco à vida.

Devidamente acondicionadas, identificadas e preparadas para o embarque, as embalagens devem ser fotografadas para compor o relatório final a ser apresentado aos órgãos competentes.
Durante o preparo das embalagens (tambores e demais recipientes) para embarque, considerar a disposição delas sobre paletes de madeira ou plástico. Essa prática facilita a transferência dos recipientes para o interior da caçamba dos caminhões, permitindo o transporte de maior quantidade de resíduos e com maior segurança.

Em algumas situações, eventuais reações químicas tardias poderão ocorrer durante o transporte de produtos e resíduos químicos, podendo isso gerar problemas que deverão ser tratados, caso a caso.
Devido à dificuldade no reconhecimento dos produtos e resíduos em situações de indústrias abandonadas ou massas falidas deverá se supor que todos os resíduos são Classe 1, e estes deverão ser dispostos de acordo com a Norma ABNT 10004 (ABNT, 2004).

A etapa de destinação final deverá ser antecipadamente definida em acordo com o órgão ambiental sendo previstas algumas possibilidades, tais como incineração, coprocessamento, destinação para aterro industrial, entre outros possíveis.

Uma vez finalizada a remoção de todas as embalagens, é indicado proceder a raspagem do solo contaminado de forma a atenuar os impactos provocados. (Figura 7). A raspagem deve ser posta em prática com critério, evitando a remoção de solo em excesso, garantindo que o material resultante seja destinado para tratamento semelhante ao designado para os resíduos.

Figura 7 – Remoção de solo contaminado. Fonte: CETESB.

5. Acidentes no Transporte Terrestre de Produtos Perigosos como Possíveis Fontes Geradoras de Áreas Contaminadas

As operações que envolvem o transporte de produtos e resíduos químicos, seja pelo modal rodoviário, ferroviário, marítimo, aquaviário, aéreo ou por dutos, constituem as etapas mais vulneráveis do processo químico produtivo, que pode gerar eventuais contaminações do meio ambiente, pois as atividades de transportes, em regra, estão expostas a uma infinidade de situações de risco, capazes de gerar acidentes desde o ponto de origem até o destino final da carga (TEIXEIRA, 2010).

5.1. Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos

No Brasil, a maior parte daquilo que é produzido é transportado pelo modal rodoviário, o qual responde por cerca de 60% do transporte de carga no país. No estado de São Paulo o modal rodoviário responde por 93% de toda a movimentação de carga transportada (SECRETARIA DE LOGÍSTICA E TRANSPORTES, 2022).

Considerando o modal de transporte adotado no Brasil, é natural que a movimentação da produção dos setores químico, petroquímico e refino de petróleo sejam feitas, na sua maioria, por rodovias.
No que se refere ao transporte de produtos químicos classificados como perigosos pela Organização das Nações Unidas – ONU, o transporte rodoviário lidera as estatísticas de acidentes ambientais no estado de São Paulo, respondendo por quase a metade de todos os acidentes atendidos pela CETESB – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo.

Cabe destacar que dos 12.370 registros de emergências químicas atendidas pela CETESB, no período de 1978 a 2021, o modal de transporte rodoviário de produtos perigosos (TRPP), lidera as estatísticas de acidentes, com 5.736 registros, representando 46,3% dos atendimentos (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Emergências químicas atendidas pela CETESB – período: 1978 a 2021. Fonte CETESB – 2021

A ONU adotou critérios técnicos que permitem identificar e classificar um determinado produto químico como perigoso para efeito de transporte. A classificação ocorre em razão de suas propriedades físico-químicas e toxicológicas, sendo organizados por classes e subclasses de risco, por exemplo: explosividade, toxicidade, corrosividade, radioatividade, inflamabilidade, entre outras. (UNECE, 2021)

Os dados estatísticos da CETESB, referentes aos acidentes no TRPP, quando pesquisados por classes e subclasses de risco, indicam que 43,5% envolveram os produtos da classe de risco 3 (Líquidos Inflamáveis), seguidos dos produtos da classe de risco 8 (Corrosivos), com 17% do total.

Acidentes no transporte terrestre de produtos perigosos representam um percentual pequeno como atividades geradoras de áreas contaminadas no estado de São Paulo, menos de 1%, se comparados a outras atividades como indústria (20%) e postos de combustíveis (70%) (CETESB, 2021b).

Os acidentes no transporte rodoviário, ferroviário e por dutos, em regra, envolvem a perda repentina de contenção do produto transportado, com o consequente vazamento de grandes volumes e possibilidades de lixiviação do produto vazado, sem falar na contaminação imediata dos recursos hídricos.

Os dados estatísticos de emergências químicas atendidas pela CETESB envolvendo o TRPP apresentam os meios atingidos por vazamentos de produtos. Nesse sentido, os dados percentuais de emergências com contaminação de solo representam 39% e as emergências em que não houve a contaminação de solo, representam 38% dos registros, ou seja, praticamente empatam, conforme ilustrado no Gráfico 2.

As ocorrências sem contaminação de solo, em regra, estão relacionadas, ou às emergências em que não ocorreu a perda de contenção dos produtos, apesar do acidente, ou àquelas em que houve a perda de contenção, porém, os produtos vazados ficaram contidos no piso pavimentado da via, sem comprometimento do solo.

Vale destacar que uma única ocorrência envolvendo o TRPP pode gerar simultaneamente a exposição e/ou contaminação de vários bens a proteger: população (vida, saúde, segurança e conforto) ar, água (superficial e subterrânea), solo, fauna, flora e danos ao patrimônio.

Gráfico 2 – Meios atingidos em emergências no transporte rodoviário de produtos perigosos – Período 1978 a 2021. Fonte: CETESB 2021.

A possibilidade de áreas inicialmente impactadas por acidentes no TRPP gerarem, a posterior, áreas contaminadas, está associada a uma série de fatores, entre os quais se destacam: características do produto, características dos bens a proteger, quantidade vazada, área impactada, extensão da propagação do contaminante, tipo de solo, uso e ocupação do solo, tempo de exposição do produto no ambiente, declividade do terreno, geologia, demora nas ações de resposta, insuficiência de recursos materiais e humanos para intervenção imediata, limitação técnica na avaliação preliminar das vulnerabilidades, entre outros.

Especificamente sobre quantidade e periculosidade dos produtos perigosos transportados por rodovias, destacam-se os combustíveis (etanol, gasolina e óleo diesel), produtos da classe de risco 3 – líquidos inflamáveis, cujos volumes transportados em caminhões-tanque do tipo bitrem, de 7 ou 9 eixos, correspondem, respectivamente, ao peso bruto de 57 e 74 toneladas, com peso líquido de 38 toneladas de produto (7 eixos) e 48 toneladas de produto (9 eixos).

Importante frisar que o uso de caminhões do tipo bitrem no transporte de combustíveis predomina na logística rodoviária brasileira. Assim, considerando que 43,5% das emergências químicas atendidas pela CETESB envolveram os produtos da classe de risco 3 – Líquidos Inflamáveis, na sua maioria hidrocarbonetos, as ações de resposta exigem efetividade na intervenção, como forma de evitar que áreas impactadas por acidentes no TRPP se convertam em áreas contaminadas.

Cabe ainda destacar que, nas ocorrências com vazamentos de produtos químicos, ainda que as ações de resposta tenham sido efetivas sobre o solo superficial impactado (contenção, absorção, recolhimento do produto e outras), essas não devem afastar, se houver dúvidas sobre a contaminação, a necessidade de posterior diagnóstico e avaliação de risco por equipes técnicas especializadas, de modo a definir a área sob influência direta do acidente, bem como as formas mais adequadas de intervenções futuras, considerando que líquidos combustíveis, quando vazados, tendem a migrar para a subsuperfície devido à gravidade e às forças capilares dos espaços porosos do solo.

5.2. Transporte ferroviário de produtos perigosos

Na matriz de transporte de cargas do Brasil, o transporte ferroviário responde por 21,5% da movimentação de cargas, na sua maioria envolve commodities, como minério de ferro, produtos siderúrgicos, derivados do petróleo, granéis agrícolas, entre outros (ANTT, 2021).

Os dados estatísticos da CETESB envolvendo o modal ferroviário de transportes demostram um baixo índice de ocorrências, com 1,44% do total. Embora de baixa frequência, o modal ferroviário possui características bastante particulares com relação ao potencial de danos ao meio ambiente, em casos de acidentes.

O transporte ferroviário de combustíveis, principalmente o de óleo diesel, é realizado por composições ferroviárias do tipo vagões-tanque. São tanques cilíndricos com capacidade para até 100.000 litros de produto por vagão. Uma composição férrea conta ainda com os tanques/reservatórios de óleo diesel que abastecem as locomotivas, cujo volume pode chegar a 20.800 litros. Vale dizer que o consumo médio de uma composição ferroviária moderna é de cerca de 800 litros de óleo diesel por hora (o consumo ferroviário é medido por hora e não por quilômetro rodado).

Ainda que o transporte ferroviário seja destinado a cargas não classificadas como perigosas, tais como minério de ferro, fertilizantes, soja, milho, açúcar e outros, em casos de acidentes com descarrilamento da composição e derramamento da carga, os danos aos corpos de água, em regra, são significativos. Seja pelo derrame da carga ou pelo vazamento no tanque de óleo diesel da locomotiva.

Somados a esses fatores, há ainda as características construtivas das faixas de domínio das vias férreas, que são áreas destinadas à construção e à operação das ferrovias. As faixas de domínio são bens declarados como de utilidade pública, e as suas dimensões variam de acordo com cada projeto, normas e regulamentos aplicáveis. Essa porção de terreno é denominada de non-aedificandi, ou seja, faixa não edificada, sendo na sua maioria, composta por vegetação rasteira e/ou solo exposto.

As faixas de domínio comportam ainda as instalações da ferrovia, as quais são compostas por camadas de pedras britadas, que são denominadas “lastro”, onde os dormentes e trilhos são assentados. O lastro ferroviário é composto por rocha triturada, como o quartzito, o gnaisse, o basalto e o granito. O material do lastro é geralmente constituído por rocha uniformemente graduada, preferencialmente de formato cúbico e relativamente grande.

O assentamento das pedras cúbicas na construção do lastro cria um espaço vazio entre elas, produzindo uma drenagem adequada à segurança das operações ferroviárias. O espaço vazio formado entre as pedras, embora necessário à segurança do transporte ferroviário, torna, por sua vez, bastante difícil as primeiras ações de contenção e recolhimento do produto, quando derramado sobre o lastro da ferrovia.
As dificuldades operacionais nas primeiras ações de respostas, pelos motivos anteriormente citados, demandam aprofundamento no processo de avaliação de possível comprometimento do solo, razão pela qual se torna indispensável a avaliação de equipe técnica especializada em áreas contaminadas.

Vale dizer que entre outros fatores de agravamento, destacam-se as dificuldades de acesso ao local do acidente, sendo que em muitos trechos, os acessos se dão somente pela ferrovia, sem a existência de rodovias e logradouros próximos, o que cria dificuldades significativas na capacidade de resposta a emergências. Importante frisar que o agravamento dos danos ao meio ambiente gerados por acidentes no transporte ferroviário de produtos perigosos é diretamente proporcional ao tempo da resposta.

Têm-se ainda as vulnerabilidades ambientais dos trechos cruzados ou margeados pela malha ferroviária. Uma vez que o modal de transporte ferroviário é mundialmente recomendado ao transporte de grandes volumes de cargas, cujas distâncias ultrapassam os 400 quilômetros, e sendo o Brasil um país de dimensões continentais, a malha ferroviária brasileira cruza biomas extremamente sensíveis às consequências de acidentes com perda de contenção de produtos transportados.

5.3. Transporte dutoviário de produtos perigosos

Dutos são tubulações especialmente desenvolvidas e construídas para a movimentação e o transporte de minérios (minerodutos), petróleo e seus derivados (oleodutos) e gás natural (gasodutos). Quando um duto é utilizado para transporte de diversos tipos de produtos ele é denominado de poliduto.

Os dutos podem ser terrestres ou submarinos e operam ou por gravidade ou por pressão de bombeio, gerados por motores e bombas hidráulicas. Os traçados de faixas de dutos cruzam áreas urbanas e rurais e se estendem por centenas de quilômetros cruzando uma grande diversidade de unidades geológicas e biomas distintos, na sua maioria, extremamente sensíveis a eventuais acidentes.

As dutovias são instaladas sob uma faixa de terreno que acompanha a superfície de um trecho subterrâneo, sob o qual se encontram instalados os dutos, enterrados a pelo menos 1 metro de profundidade. As faixas de dutos possuem direito de passagem regulamentadas por decretos federais, possuem largura variável de acordo com os projetos e são consideradas como faixas de terreno non-aedificandi.

As demarcações das faixas de dutos identificam a localização dos equipamentos e orientam as comunidades do entorno quanto às proibições de uso do terreno demarcado, como por exemplo: escavar, construir, ocupar, realizar queimadas, depositar lixo, entulho ou resíduos e ainda, não utilizar as faixas de dutos como estacionamentos, vias de passagem, instalações comerciais, industriais, de plantio, recreação e outras igualmente desautorizadas. A Figura 8 ilustra o padrão construtivo das faixas de duto no Brasil.

Figura 8 – Padrão de uma faixa de dutos. Fonte: Petrobras.

O modal dutoviário de transportes, apesar de suas vantagens e importância estratégica, representa apenas 4% na matriz logística de transportes de cargas no Brasil, o que pode ser considerado pequeno se comparado ao Canadá e aos Estados Unidos, por exemplo, onde as dutovias representam 40% e 22%, respectivamente, da matriz de transportes de carga medida em tkm (tonelada-quilômetro).

O Transporte Dutoviário de combustíveis, normalmente, é operado por grandes empresas petrolíferas e petroquímicas. Esse modal de transporte se destaca como uma das formas econômicas e seguras para grandes volumes de transporte de petróleo, gases e líquidos combustíveis, quando comparados a outros modais.

Algumas características positivas são atribuídas ao transporte dutoviário, tais como agilidade, segurança, baixa flexibilidade e capacidade de fluxo.

Apesar dos benefícios na utilização de dutos como modal de transporte e a despeito do rigor técnico na construção e operação dos sistemas, eles não estão isentos de configurarem como causas geradoras de graves acidentes ambientais.

Os acidentes envolvendo o modal dutoviário de transporte de produtos perigosos tem potencial para gerar consequências ambientais e socioeconômicas bastantes significativas, seja pelas características dos produtos transportados, principalmente os hidrocarbonetos, seja pelos volumes transportados. Dutos podem ter até 40 polegadas de diâmetro e em regra os produtos são transportados sob alta pressão de bombeio.

Ainda, há que se considerar a vulnerabilidade ambiental do entorno onde os dutos estão instalados, ou seja, se terrestres, deverão estar instalados, no mínimo, a 1 metro de profundidade no solo. Nos dutos submarinos não há meios intermediários, como solo ou pavimentos, que possam conter ou absorver o produto vazado. Em casos de vazamentos destes, a liberação do produto no meio aquoso é direta e imediata.

Ainda, como consequências de um acidente em uma faixa de dutos, há o impacto na logística de todo o processo da indústria petrolífera, uma vez que acidentes dessa natureza podem interromper parte do processo produtivo causando prejuízos financeiros de grande monta, dificuldades operacionais para o restabelecimento das operações, contaminações ambientais severas e, principalmente, nas áreas urbanas, a exposição da população aos riscos de contaminação, incêndio e explosão.

Nos registros da CETESB para o estado de São Paulo, no período compreendido entre 1978 e 2021, foram registrados 358 acidentes no modal dutoviário de transporte de produtos perigosos, o que corresponde a 2,9% do total de emergências químicas atendidas. A Região Metropolitana de São Paulo concentrou 257 registros, o litoral de São Paulo 53 registros e os demais municípios do interior registraram 48 ocorrências.

Quanto às causas dos acidentes, na sua maioria, estão associadas às ações de terceiros, principalmente durante a realização de obras civis que implicam em escavações do solo por máquinas. Isso ocorre apesar das inúmeras identificações nas faixas de dutos e das muitas placas de sinalização para o risco de escavação (Figura 9).

Figura 9 – Placas informativas nas faixas de duto da Transpetro. Fonte CETESB.

Outro grande fator gerador de acidentes em dutos está associado às tentativas de furto de combustíveis, por meio de derivações clandestinas, denominadas “trepanações”. As trepanações são ações criminosas orquestradas por quadrilhas especializadas nessa modalidade de crime.

A ação criminosa de furto de combustíveis diretamente nos dutos é um problema global, o que gera prejuízos na ordem de 37 bilhões de dólares/ano em países como: Estados Unidos (10 bilhões), Nigéria (8 bilhões), Iraque (5 bilhões), México (3 bilhões), Grécia (2,6 bilhões), Turquia (2,5 bilhões), Irã (1,3 bilhão), Filipinas (1 bilhão), Venezuela (1 bilhão) entre outros. A Transpetro, empresa subsidiária da Petrobras, acumula prejuízos anuais decorrentes de derivações clandestinas da ordem de 150 milhões de reais (RALBY, 2017).

Além dos perigos químicos dos produtos transportados – gases e líquidos inflamáveis – há que se destacar outros fatores contribuintes que tendem a agravar os vazamentos em dutos: a alta pressão de bombeio no transporte e os grandes volumes de produtos contidos no interior dos dutos, que em casos de acidentes ficam armazenados entre as válvulas de bloqueio de fluxo. Essas válvulas podem estar a quilômetros de distância umas da outras.

As probabilidades de riscos à segurança da população em caso de vazamentos se acentuam, sobretudo, quando envolvem a prática criminosa de tentativas de furto de combustíveis, pois, em regra, os infratores escolhem os locais para o crime de acordo com suas conveniências e oportunidades, indiferentes às possibilidades de vazamentos e consequentes incêndios e/ou explosões. A Figura 10 demonstra uma simulação de derivação clandestina com escavação manual e acesso furtivo ao duto.

Figura 10 – Simulação de derivação clandestina em dutos. Fonte: CETESB.

As fotos de 11 a 16 ilustram a sequência de um caso concreto de derivação clandestina ocorrido no município de São Paulo. Os criminosos ocuparam um imóvel próximo à faixa de dutos, escavaram um poço de cerca de 6 metros de profundidade, em seguida escavaram um túnel estruturado de cerca de 20 metros de extensão, alcançaram a faixa de dutos, trepanaram a tubulação e passaram a bombear o produto furtado para tanques improvisados.

Figura 11 – Imóvel próximo a faixa de dutos; Figura 12 – Poço escavado de 6 metros; Figura 13 – Túnel escavado de 20 metros – Fonte CETESB.
Figura 14 – Final do túnel na faixa de dutos; Figura 15 – Trepanação do duto; Figura 16 – Armazenamento do produto furtado – Fonte: CETESB

O agravamento dos danos ambientais gerados por vazamentos em dutos transportando combustíveis está associado a inúmeros fatores, como as características físicas, químicas e toxicológicas do contaminante, as quantidades vazadas, a viscosidade do fluido, sua polaridade, a compactação do solo e, principalmente, as classes texturais de solo onde os dutos se encontram instalados. A textura do solo vai influenciar diretamente no tempo que o fluido vazado levará para atingir camadas mais profundas do solo e, consequentemente, os aquíferos subterrâneos. Produtos, como a gasolina, de baixa viscosidade e solúvel em água, tornarão a água subterrânea imprópria para o consumo.

Posta assim a questão, cabe salientar que a literatura especializada descreve por classe textural, principalmente, a quantidade de espaços vazios no solo: solos arenosos são mais porosos, e tendem a facilitar a percolação do líquido poluente, em casos de vazamentos. Por outro lado, solos mais argilosos são menos porosos, e possuem maior capacidade de reter líquidos nas camadas superficiais do solo, o que lhes permite atuar como uma barreira retardante na percolação do fluido contaminante.

Por tais razões, necessário se faz, em vazamentos de hidrocarbonetos em dutos, uma rápida análise em relação aos gradientes do solo, sendo que os de textura porosa por certo requererão ações corretivas de resposta emergencial mais imediatas, dada a necessidade mais imediata de evitar a rápida percolação do produto, principalmente em locais onde os lençóis freáticos são mais próximos da superfície.

As Figuras 17 e 18 ilustram o perfil do solo escavado em torno de uma linha de dutos e dão a noção do volume transportado em razão do diâmetro do duto.

Figura 17 e 18 – Solo escavado em ocorrência de derivação clandestina de combustíveis em duto. Fonte: CETESB.

6. Fontes Geradoras de Metano

Áreas paludosas e brejos naturais, depósitos de lixo, aterros desativados e outras unidades de descarte de resíduos, fossas sépticas, locais de disposição de material de dragagem de rios, locais que contenham hidrocarbonetos de petróleo em degradação ou etanol de grau combustível são exemplos de locais que possuem matéria orgânica em decomposição e que, em condições de anaerobiose, geram metano e gás sulfídrico, entre outros gases. O metano, por ser um gás menos denso que o ar, tende a se elevar na atmosfera, ao invés de se aprofundar no solo.

A disputa por espaços e a pressão imobiliária muitas vezes levam a que tais áreas, após aterradas, sejam ocupadas por assentamentos urbanos informais ou mesmo bairros com infraestrutura completa, tais como edificações residenciais, escolas, creches, hospitais, comércios, shoppings centers, instituições prestadoras de serviços e equipamentos públicos.

Em tais situações, pode ocorrer a intrusão de gás metano dos bolsões de subsuperfície para a laje e para os ambientes internos das edificações sobrepostas e instalações confinadas, podendo o produto ocupar e se acumular em concentrações altas, levando à formação de atmosfera inflamável, com potencial de explosão, caso estejam presentes fontes de ignição.

Outro risco associado à presença de metano em ambientes internos é o seu potencial de intoxicação de pessoas, podendo causar desde vertigem e sonolência, asfixia, parada cardíaca, danos no sistema nervoso, entre outros danos à saúde.

Por esses motivos, há grande preocupação em se monitorar e acompanhar essas áreas, gerenciando-se os riscos e intervindo por meio de procedimentos de extração de gás e, quando possível, descontaminação do solo, sendo a necessidade de desocupação da área os casos mais extremos.

Antes de se iniciar o monitoramento efetivo, porém, há alguns indícios observacionais de que pode haver metano no solo de uma área, por exemplo, se houver vegetação com crescimento inibido, amareladas ou com queda de folhas. O metano em si não é tóxico às plantas, mas ele desloca o oxigênio dissolvido no solo que aera as raízes, levando a esses sintomas.

Outro indício indireto de grande concentração de metano no solo pode ser quando se percebe que o terreno apresenta características colapsáveis, como solo afundando ou apresentando movimento, percebido pela inclinação das edificações, postes e árvores, ou pela sensação ao pisá-lo. Situações como essas evidenciam outro risco associado à contaminação por metano, que é o de desmoronamento.
Antes de adentrar o local e iniciar o monitoramento é importante se considerar extinguir toda e qualquer fonte de ignição, tais como chamas de fogões, desligar a eletricidade, etc. minimizando assim os riscos de explosão.

O monitoramento de metano na área pode ser realizado, inicialmente, com uso de detectores portáteis que sejam adequados para a detecção da molécula, tais como os que possuam sensores catalíticos (que fornecem resultados em % do LII), sensores de infravermelho – IR (que fornecem resultados em % do LII e % em Vol. de CH4), sensores de condutividade térmica – TC (que fornecem resultados em % em Vol. de CH4), detectores de gás a laser – LGD, detectores de absorção de laser de diodo sintonizável – TDLAS e detectores de ionização de chama – FID (que fornecem resultados em ppm).

No entanto, equipamentos utilizados para o monitoramento de outros compostos orgânicos voláteis (VOC) que utilizam detectores de fotoionização (PID) não podem ser utilizados para o monitoramento de metano, visto que esses utilizam fótons de alta energia (geralmente 10,6 eV) , na faixa do ultravioleta (UV), para ionizar as moléculas e tal ionização não ocorre com o metano, cujo potencial de ionização (PI) é de 12,51 eV.

Com o uso de detectores adequados, o monitoramento do ambiente deve ser realizado, em especial, nos ralos, tomadas, frestas, fissuras, trincas e fendas do chão e das paredes, ou seja, as vias mais prováveis para a intrusão do gás metano.

Considera-se uma atmosfera explosiva quando as concentrações de metano no ar atingem valores entre 5% e 15% v/v (v/v se refere à relação entre volumes). Abaixo de 5% v/v (50 000 ppmv) as concentrações ainda não atingiram o Limite Inferior de Inflamabilidade LII, e acima de 15% v/v (150 000 ppmv) elas já superaram o Limite Superior de Inflamabilidade LSI, no entanto, há que se preocupar com grandes concentrações de metano, mesmo quando superiores ao LSI, porque geralmente a presença de oxigênio não é um fator limitante dos sistemas.

Importante se atentar em relação às unidades de medida dos valores obtidos, pois esses não devem ser confundidos. A unidade de medida de volume (ppmv) não tem relação com a unidade de medida de massa (ppm). Caso o equipamento registre 10 000 ppmv de metano, isto corresponderá a 1% v/v, mas em termos de inflamabilidade isso corresponderá a 20% do LII.

Concentrações de metano acima de 20% do LII (ou 10 000 ppmv ou 1% v/v) pode determinar que a área seja classificada como Área Contaminada (AC) (ver Seção 6.4), no entanto, valores inferiores também podem levar a tal classificação, a critério da CETESB.

De toda forma, é importante ressaltar que essas medições realizadas em caráter emergencial não substituem, de maneira alguma, a Avaliação Preliminar e as demais etapas que devem se seguir a ela. Esse monitoramento pontual apenas revela a situação da área naquele momento específico, e serve para subsidiar a tomada de decisão com relação à necessidade de adoção de ações emergenciais, tais como a exaustão e dissipação dos gases confinados no subsolo, a extração passiva ou ativa na região insaturada do subsolo, a ventilação do subsolo das edificações e das áreas confinadas etc.

7. Descarte de Produtos Químicos

O descarte de produtos químicos ocorre, na sua maioria, em margens de rodovias, terrenos baldios e instalações industriais desativadas. Sabe-se que boa parte desse material tem origem em empresas que estocam seus resíduos ao longo de um período e, ao final, decidem de forma irresponsável descartá-los irregularmente. A possibilidade de geração de uma área contaminada a partir da ação de descarte de produtos químicos é grande, pois por se tratarem de regiões ermas, é possível que esses materiais permaneçam ali depositados muito tempo, expostos às intempéries, antes que sejam percebidos (HADDAD, 2011).

As embalagens que predominam nesses descartes são tambores metálicos, bombonas e sacos plásticos. Em algumas situações, esses descartes são realizados diretamente no ambiente, possibilitando a infiltração do resíduo no solo, provocando a contaminação do meio, incluindo, em determinadas situações, o lençol freático.

Esse cenário é agravado quando os resíduos são enterrados em terrenos baldios, sendo evidenciados apenas após denúncias da população, ou quando seus efeitos comprometem, por exemplo, a qualidade da água superficial ou subterrânea, da vegetação, ou em casos mais graves, quando comprometem a saúde de animais e seres humanos.

Diferentemente dos demais casos, nessas situações não é possível, na maioria das vezes, identificar a empresa responsável pela ação criminosa, o que dificulta a atuação dos órgãos públicos, na medida em que não há a quem responsabilizar pelos danos causados ao meio ambiente e, consequentemente, não há a quem imputar o ônus da ação de remoção, destinação adequada do produto e eventual recuperação da área impactada.

Nesses casos, é de grande valia tentar obter informações com a população local, uma vez que ela pode ter conhecimento em relação aos sujeitos que costumam dispor no local, pode ter anotado características do veículo, seu número de placa ou outras informações relevantes, o que poderá levar à identificação dos responsáveis pelo descarte.

Não havendo possibilidade de identificação dos autores do descarte, é de responsabilidade do poder público realizar o atendimento emergencial em todas as suas etapas, incluindo a identificação de produto ou de seus riscos, recolhimento, transporte, armazenamento temporário e destinação final.

Assim, faz-se necessária uma adequada mobilização e integração dos órgãos públicos como Prefeitura, Defesa Civil, órgão ambiental municipal e estadual, Corpo de Bombeiros e outros, para que o trabalho seja realizado com eficácia.

7.1. Avaliação

Nessa etapa o objetivo é o de identificar os principais perigos que os resíduos químicos podem apresentar, uma vez que na maioria dos casos trata-se de uma mistura de substâncias e não de um produto puro. Os parâmetros normalmente avaliados são a inflamabilidade, presença de compostos orgânicos voláteis, concentrações tóxicas, corrosividade e reatividade com a água (HADDAD, 2011).
As avaliações mencionadas não serão suficientes para identificar o material descartado, dadas às limitações dos equipamentos portáteis de detecção e dos ensaios de campo, porém, apontarão quais os principais perigos associados ao resíduo, informações essas que nortearão os trabalhos.

Outra etapa importante é o processo de investigação, em que as equipes buscam indícios que possam identificar os responsáveis pelo descarte, tais como, nomes de empresas, endereços, telefones ou outras informações pertinentes. Entretanto, nessa busca por informações é preciso ressaltar que, nem sempre as empresas identificadas por meio de rótulos nas embalagens ou documentos fiscais são as verdadeiras responsáveis pelo descarte, já que, muitas vezes, são utilizadas embalagens de empresas idôneas para realizar o descarte.

No entanto, a legislação ambiental é clara quanto à questão da responsabilidade solidária no dano ao meio ambiente, e a pessoa física ou jurídica responderá pelo dano ambiental, mesmo não sendo a causadora direta (ou seja, em termos de responsabilidade civil ambiental a responsabilidade objetiva do degradador do meio ambiente independe de culpa). No caso da impossibilidade de se identificar um responsável, caberá ao município ou ao responsável direto pela área impactada (local onde o resíduo foi disposto) o ônus de recolher e dar a destinação adequada aos resíduos.

7.2. Controle

O atendimento a emergências envolvendo descarte de resíduos químicos demanda a participação de muitos órgãos públicos. Por exemplo, prefeitura e a Defesa Civil poderão disponibilizar equipamentos de tração, tais como retroescavadeiras, guindastes, tratores, caminhões basculantes e muncks, bem como recursos humanos para realizar a tarefa de acondicionamento e recolhimento dos resíduos para armazenamento temporário em local previamente aprovado pelo órgão ambiental. (HADDAD, 2011)

O Corpo de Bombeiros poderá garantir a segurança das equipes envolvidas nos trabalhos, especialmente em se tratando de resíduos inflamáveis, além de auxiliar com sua experiência em emergências.
O Setor Saúde poderá realizar o acompanhamento da população eventualmente exposta aos resíduos descartados, ou nos casos com contaminação de recurso hídrico utilizado para abastecimento público.

O órgão ambiental poderá realizar o monitoramento frequente com vistas ao controle dos riscos, além de fornecer informações técnicas aos demais órgãos, para auxiliar na tomada de decisões em relação aos procedimentos de controle, destinação e remediação da área afetada. Pode ainda tentar identificar, com base nas características do resíduo (aparência, odor, cor etc.), associado ao uso de equipamentos de detecção ambiental, as empresas na região que manuseiem material semelhante, que poderão ser investigadas ou mesmo acionadas para auxiliar nos trabalhos.

A polícia e o órgão de tráfego poderão ser úteis no que diz respeito a resguardar a área, realizar o controle de acesso de veículos e pessoas que não estejam diretamente envolvidas na ocorrência, bem como em relação ao furto de embalagens, como tambores metálicos por parte da população. Nesses casos, é importante que os órgãos responsáveis informem à população, seja por intermédio da imprensa ou com a ajuda de representantes locais, como, por exemplo, o líder comunitário, os riscos em reutilizar tais embalagens para outros fins, como é o caso do aproveitamento de tambores como caixas-d’água, ressaltando as consequências prejudiciais que isso poderá trazer à saúde. A presença de policiais é especialmente importante no que diz respeito à segurança das equipes em regiões ermas ou durante o período noturno.

As chuvas são agravantes em situações de emergência, por contribuírem com o transporte dos poluentes para as camadas mais profundas do solo, dependendo de sua natureza, como também para as águas subterrâneas e superficiais. Nessas situações, pode-se dispor de lonas plásticas para cobrir os resíduos, reduzindo assim seu carreamento quando da ocorrência de chuvas.

Em alguns casos, é necessária intervenção imediata para assegurar a estanqueidade de embalagens seriamente comprometidas. Uma opção é a utilização de spill drums, que são tambores com estrutura de polietileno de alta resistência, principalmente à corrosão, utilizados para encapsular embalagens que apresentam vazamentos. Também podem ser utilizados big-bags e sacos plásticos resistentes para acondicionamento dos resíduos.

Uma vez controlada a emergência, o órgão ambiental deverá avaliar a necessidade de realizar processo de investigação, conforme os protocolos para gestão de áreas contaminadas. Tal exigência, caso não sejam identificados os responsáveis, deve ser feita ao proprietário da área onde ocorreu o descarte ou a prefeitura do município.

8. Considerações finais

Áreas contaminadas podem se originar a partir do abandono de produtos químicos em postos e sistemas retalhistas de combustíveis ou no interior de indústrias; podem se originar da ação criminosa de trepanadores de dutos, do descarte irregular de produtos e resíduos químicos em regiões ermas ou de cargas roubadas no transporte rodoviário; podem se originar, ainda, nos pequenos, constantes e quase imperceptíveis vazamentos diários em tanques, tubulações, bombas, bocais, contentores ou outros equipamentos em indústrias e postos.

Em todas essas situações, quando o produto, resíduo ou seus derivados atingem o meio externo, trazendo prejuízos ao meio ambiente ou incômodos e riscos à saúde da população, entende-se que a área contaminada deve ser tratada como uma emergência química.

Por outro lado, emergências químicas em todos os modais (postos, indústrias, transporte de produtos perigosos, descartes etc.) podem sempre resultar em áreas contaminadas, dependendo quais sejam as características dos produtos envolvidos, os ambientes atingidos, os procedimentos adotados nas ações emergenciais etc.

Seja qual for a situação, portanto, áreas contaminadas e emergências químicas se sucedem uma à outra, e empresas e setores que se dedicam a qualquer dessas atividades devem trabalhar de maneira integrada e cooperativa, cada qual dentro de suas atribuições, buscando o mesmo objetivo comum, que se reflita na melhoria contínua da qualidade do meio ambiente, de forma a beneficiar a sociedade.

9. Referências

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