A poliomielite, também conhecida como pólio ou paralisia infantil, é uma doença viral altamente contagiosa, causada pelos poliovírus. Crianças menores de 5 anos têm maior risco de infecção, embora qualquer pessoa não imunizada possa ser infectada. O poliovírus é transmitido de pessoa a pessoa, pela via oral-oral por meio de gotículas e aerossóis da garganta, ou mais comumente de forma fecal-oral, pela contaminação fecal das mãos, objetos, alimentos e água.
Os fatores que contribuem para a transmissão incluem:
- baixa cobertura vacinal
- alta densidade populacional
- infraestrutura precária de serviços de saúde
- saneamento precário
- alta incidência de doenças diarreicas
As características clínicas são classificadas de acordo com a gravidade dos sintomas:
Diagnóstico
Suspeita-se de poliomielite na presença da síndrome de paralisia flácida aguda (PFA) a qual se apresenta com sintomas bastante característicos, como o aparecimento repentino de dificuldades motoras ou flacidez muscular, principalmente das pernas, com diminuição ou ausência de reflexos na área paralisada, acompanhada de febre. Além disso, os casos de PFA devem ter histórico de viagem a países com circulação de poliovírus nos últimos 30 dias que antecedem o início do déficit motor, ou contato no mesmo período com pessoas que viajaram para esses países.
A confirmação, porém, depende do isolamento e identificação do vírus a partir de uma amostra de fezes do paciente ou de seus contatos. O isolamento do vírus também pode ser feito a partir de amostras de sangue, de líquor ou de raspagem da garganta, embora a possibilidade de isolamento seja menor, devido à circulação do vírus ser transitória. Outros exames podem ser necessários para descartar hipóteses diagnósticas que apresentam sintomas semelhantes, como as meningites causadas por vírus e a síndrome de Guillain-Barré, entre outras.
Prevenção e tratamento
Não há tratamento específico para a poliomielite, sendo prevenida somente pela vacinação. Utiliza-se tratamento de suporte para limitar e aliviar os sintomas. Alguns tratamentos como fisioterapia podem melhorar a mobilidade, mas não revertem a paralisia permanente da poliomielite. A vacinação é a medida primordial na prevenção contra a poliomielite.
Há dois tipos de vacinas disponíveis:
- vacina oral de vírus vivo atenuado da poliomielite (VOP/Sabin)
- vacina de vírus inativado da poliomielite (VIP/Salk)
A partir de 4 de novembro de 2024, no entanto, a VOP deixou de ser utilizada no Brasil, de modo que o esquema vacinal somente com a VIP será:
- 2 meses – 1ª dose
- 4 meses – 2ª dose
- 6 meses – 3ª dose
- 15 meses – dose de reforço
Tipos de Poliovírus
Os poliovírus são vírus de RNA, da família Picornaviridae, gênero Enterovirus, e possuem 3 sorotipos, definidos como tipo 1, 2 e 3, cada um com uma proteína de capsídeo ligeiramente diferente.
Os casos de poliovírus selvagem (natural) diminuíram em mais de 99% desde 1988, após o lançamento da Iniciativa Global de Erradicação da Poliomielite e a adoção de companhas de vacinação em massa. Atualmente, Paquistão e Afeganistão são os únicos países endêmicos para o poliovírus selvagem tipo 1. O poliovírus selvagem tipo 2 foi declarado erradicado em setembro de 2015, com o último vírus detectado na Índia em 1999. O poliovírus selvagem tipo 3 foi declarado erradicado em outubro de 2019, sendo que foi detectado pela última vez em novembro de 2012 na Nigéria.
No entanto, além do vírus selvagem, há casos da doença em diversos países em que o agente etiológico é o poliovírus derivado da vacina (PVDV). Os PVDV são cepas relacionadas ao poliovírus vivo atenuado contido na vacina oral Sabin contra poliomielite (VOP). O surgimento dessas cepas são eventos bastante raros e está associado à capacidade de circulação em populações com baixa cobertura vacinal ou replicação em um indivíduo imunodeficiente por longos períodos. O vírus atenuado, após sofrer diversas mutações, pode reverter para uma forma que causa doença e paralisia.
Os poliovírus da vacina oral Sabin podem ser classificados como:
Poliovírus Sabin: o poliovírus vivo atenuado da vacina oral contra a poliomielite (VOP).
Em 2020, foi autorizado o uso de uma nova versão da vacina oral com vírus atenuado do tipo 2 (nVOP2), para uso em surtos de cPVDV2. A nVPO2 fornece uma proteção comparável a vacina Sabin contra o poliovírus do tipo 2 (VOP2), no entanto é mais estável geneticamente, reduzindo o risco de surgimento de poliovírus derivado da vacina.
Poliovírus Sabin-like: são aqueles que podem ter divergências da cepa Sabin padrão da VOP, mas em um grau menor daqueles que podem causar paralisia como os poliovírus derivados vacinais.
Os poliovírus Sabin e Sabin-like são comumente detectados na população e no ambiente quando a OPV é usada em imunização de rotina ou atividades de imunização suplementar com OPV. O poliovírus Sabin tipo 2 não deve mais ser detectado, exceto onde a nOPV2 monovalente for recentemente usada para resposta ao poliovírus derivado tipo 2.
Poliovírus derivados vacinais (PVDV): cepas de poliovírus de vacina que têm > 1% de divergência (≥ 10 nucleotídeos de diferença) para os tipos 1 e 3, e > 0,6% de divergência (≥ 6 nucleotídeos de diferença) para o tipo 2, em relação a cepa Sabin de referência, comparando-se a região do gene VP1.
Os PVDVs podem ser classificados da seguinte forma:
Poliovírus derivado vacinal circulante (cPVDV): é um PVDV em circulação na população, com base em evidências de transmissão de pessoa a pessoa devido à detecção de casos e/ou amostras ambientais de vírus geneticamente associados.
Poliovírus derivado vacinal associado à imunodeficiência (iPVDV): é um VDPV associado a indivíduos que têm imunodeficiência primária (IDP). Esses indivíduos por terem uma deficiência no sistema imunológico não conseguem combater uma infecção e podem manter a replicação do vírus nos intestinos por um longo período, após receber a VOP, originando poliovírus geneticamente divergentes.
Poliovírus derivado vacinal ambíguo (aPVDV): são isolados a partir de pessoas sem imunodeficiência conhecida ou a partir de amostras ambientais, sem evidência de circulação e para os quais a sequência VP1 não está geneticamente ligada a outras sequências VDPV previamente identificadas.
Sobrevivência do poliovírus no ambiente
Os poliovírus são resistentes à inativação por desinfetantes comuns, como etanol 70%, isopropanol, lysoform e compostos de amônio quaternário. No entanto, são rapidamente inativados por soluções com formaldeído, glutaraldeído, ácido forte, hipoclorito de sódio e cloro residual livre e também pela exposição a temperaturas maiores de 50 °C, luz ultravioleta e dessecação. A inativação é retardada pela presença de matéria orgânica.
Em condições laboratoriais estáveis, os poliovírus podem sobreviver por muitos anos em temperatura de congelamento, por muitos meses sob refrigeração e por dias a semanas em temperatura ambiente. As taxas de inativação do poliovírus na natureza são bastante influenciadas pelas condições ambientais. Estimou-se que a infectividade do poliovírus no solo diminui em 90% a cada 20 dias no inverno e a cada 1,5 dia no verão, e que em temperaturas ambientes ocorre uma diminuição de 90% na infectividade no esgoto a cada 26 dias, na água doce a cada 5,5 dias e na água do mar a cada 2,5 dias.
A desinfecção com cloro é uma etapa crítica para a inativação de vírus em processos de tratamento de água e de esgoto. As condições ideais para a inativação do vírus são alto resíduo de cloro, longo tempo de contato, alta temperatura da água, baixo pH, baixa turbidez e ausência de substâncias interferentes.
Para maiores informações sobre a doença, história, vigilância das paralisias flácidas e vacinação contra a poliomielite, podem ser acessadas as aulas de capacitação voltadas a profissionais de saúde, produzidas pela COVISA/SMS-SP: https://capital.sp.gov.br/web/saude/w/vigilancia_em_saude/342933
Referências
Betancourt, W.Q., and Shulman, L.M. (2017). Polioviruses and other Enteroviruses. In: J.B. Rose and B. Jiménez-Cisneros, (eds) Water and Sanitation for the 21st Century: Health and Microbiological Aspects of Excreta and Wastewater Management (Global Water Pathogen Project). (J.S Meschke, and R. Girones (eds), Part 3: Specific Excreted Pathogens: Environmental and Epidemiology Aspects – Section 1: Viruses), Michigan State University, E. Lansing, MI, UNESCO. https://doi.org/10.14321/waterpathogens
Cara C. Burns, et al. Vaccine-Derived Polioviruses, The Journal of Infectious Diseases, Volume 210, Issue suppl_1, November 2014, Pages S283–S293, https://doi.org/10.1093/infdis/jiu295