A Cetesb sediou, em 2/12, um encontro que reuniu representantes dos setores público, privado, academia e sociedade civil para debater caminhos práticos para a transição do modelo linear — baseado em extrair, produzir, consumir e descartar — para a economia circular com ênfase para o setor de resíduos. O evento destacou a importância da regionalização, da gestão integrada e da inovação tecnológica para fortalecer políticas públicas que conciliem desenvolvimento socioeconômico e proteção ambiental. A íntegra do evento está disponível neste link: https://www.youtube.com/watch?v=9T1i2hzNac0&t=1152s
Na abertura, o presidente da ABREMA – Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente, Pedro Maranhão, ressaltou o avanço nacional no enfrentamento aos lixões e o protagonismo do setor nas discussões climáticas. “Hoje, saímos das páginas policiais para ocupar as páginas ambientais”, afirmou. Ele destacou que os gestores públicos estão entendendo que é mais barato dar uma destinação ambientalmente adequada aos resíduos, do que levar para lixão. “Uma boa surpresa foi a COP 30 que deu grande destaque ao tema. Nunca participamos de tantos eventos sobre o assunto.”
O diretor-presidente da Cetesb e diretor-executivo da ABEMA – Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente, Tomaz Toledo reforçou a necessidade de ações práticas e coordenadas entre estados e municípios. “Para tirar a economia circular do papel, precisamos ter uma agenda pragmática aplicada e executada pelos órgãos estaduais.”
Toledo afirmou que não existe exemplo mais concreto de enfrentamento às mudanças climáticas, transição energética e economia circular do que a agenda de biometano que já é uma realidade no estado de São Paulo, principalmente, no município de São Paulo. “O lado mais bacana dessa agenda é ver o município produzindo o seu próprio combustível usado para movimentar a frota de coleta de resíduos e o transporte urbano, de forma pioneira. Isso já é uma realidade na cidade. Agora, pode ser replicado em outras capitais.”
A secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de São Paulo, Natália Resende, reforçou o compromisso do Estado com políticas estruturadas e de longo prazo. Segundo ela, esse é um tema que deve ser discutido cada vez mais e que deve ser abordado de forma estruturada, pragmática, olhando casos concretos que deram certo e os que não deram, para que sejam feitas políticas públicas de qualidade. “Quero agradecer ao Thomaz pela iniciativa e parabenizar o trabalho da Cetesb, que faz a diferença no estado de São Paulo para um desenvolvimento sustentável de verdade, em prol das pessoas e do meio ambiente. Sem a Cetesb isso seria impossível.”
Como resultado prático, após a abertura do evento foi assinado o segundo termo aditivo entre Cetesb e ABREMA, prorrogando até 2029 a cooperação para manutenção do SIGOR Módulo Manifesto de Transporte de Resíduos – MTR, ferramenta essencial para rastreabilidade dos resíduos e combate ao descarte irregular.
Novas economias
O Plano Nacional de Economia Circular foi apresentado pela diretora do departamento de Novas Economias, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Sissi Alves, que afirmou que o tema é uma das prioridades do governo federal. “ O Decreto 12.082/2024 instituiu a Estratégia Nacional de Economia Circular, com a finalidade de promover a transição do modelo de produção linear para uma economia circular, de modo a incentivar o uso eficiente dos recursos naturais e práticas sustentáveis ao longo da cadeia produtiva”, explicou.
Segundo ela, desde 2023 trabalha na construção da política da Nova Indústria Brasil (NIB), que alinha crescimento econômico, desenvolvimento social e desenvolvimento sustentável. “Dentre as seis missões do plano, a Missão 5 tem como objetivo impulsionar a bioeconomia, a descarbonização, a transição e a segurança energética no país, incluindo a indústria da reciclagem como cadeia prioritária no plano industrial da NIB. Nossa estratégia busca utilizar a vasta biodiversidade do Brasil, como um diferencial competitivo para a reindustrialização do país em bases verdes e sustentáveis.”
Na sequência, o advogado Fabrício Soler, destacou a necessidade de encarar a circularidade com base em condições reais de gestão de resíduos no país. “Não dá para falar em economia circular em um território ainda com lixões em operação”, afirmou. Ele ressaltou que, embora São Paulo seja referência nacional, ainda há municípios que precisam avançar na disposição final adequada.
Soler também chamou atenção para a importância da sustentabilidade econômico-financeira para viabilizar políticas públicas. “Sem sustentabilidade financeira não se implementa gestão de resíduos em nenhum lugar do mundo”, pontuou ao citar alerta recente do Tribunal de Contas do Estado sobre municípios com lixões. O palestrante apresentou ainda um panorama de normas técnicas brasileiras que orientam a economia circular, destacando que o país já dispõe de parâmetros consolidados para métricas de circularidade e orientação às empresas.
Ao abordar instrumentos de verificação e rastreabilidade, destacou a Central de Custódia e o Recircula Brasil como ferramentas fundamentais para dar segurança aos dados de reciclagem e comprovar a circularidade dos materiais. Em sua avaliação, esses avanços colocam o Brasil em posição de destaque internacional. “Tenho orgulho do que está sendo feito aqui. Dá para avançar mais, mas já temos conquistas importantes”, completou.
Soler também chamou atenção para o impacto da Lei de Incentivo à Reciclagem, que vem ampliando o volume de investimentos no setor. “Isso é dinheiro novo no ecossistema de resíduos”, afirmou ao citar que, apenas em 2025, foram submetidos 952 projetos em 26 estados, somando R$ 2,2 bilhões.
Primeiro painel
Na sequência, o primeiro painel Instrumentos Estaduais para o Fortalecimento da Economia Circular foi conduzido por Flávio Miranda Ribeiro, conselheiro do Pacto Global da ONU. Ao relembrar sua trajetória na Cetesb, ele destacou a evolução do tema na última década: “Há 11 anos olhávamos para a Europa como referência. Hoje estamos aqui para mostrar o que o Brasil está fazendo”.
A gerente de Sustentabilidade da Cetesb, Maria Fernanda Pelizzon apresentou iniciativas adotadas pela agência ambiental para integrar práticas de economia circular ao licenciamento, à gestão interna e aos instrumentos normativos. Segundo ela, a Companhia tem reforçado a transparência de dados e atualizado critérios técnicos para valorizar resíduos de forma ambientalmente segura.
“O licenciamento é um indutor de tecnologias mais eficientes e contribui diretamente para a circularidade”, destacou.
O representante do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina, Diego Hemkemeier Silva e a gerente técnica de Economia Circular da Secretaria de Meio Ambiente de Pernambuco, Monaliza Andrade compartilharam experiências dos estados, reforçando a importância da regionalização e da integração entre gestão de resíduos, inovação e políticas de incentivo.
O moderador encerrou o painel reconhecendo a importância do diálogo federativo e da cooperação para acelerar resultados. “A parceria entre estados, municípios e setores produtivos mostra que ter compromisso, governança e cooperação pode gerar avanços mais efetivos do que a coerção isolada”.
Segundo painel
Setor Privado: Iniciativas e Desafios, moderado por Letícia Nocko, gerente técnica da ABREMA, reuniu representantes da indústria, do setor sucroenergético e do segmento de gestão de resíduos para apresentar iniciativas, desafios e oportunidades do setor privado na transição para a economia circular. Letícia destacou que “há cinco anos, muitas das soluções discutidas hoje eram inviáveis, agora representam novas oportunidades.”
Anicia Pio, Gerente de Desenvolvimento Sustentável da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, abriu o debate ressaltando a importância de aprimorar o arcabouço legal e garantir segurança jurídica para que os setores possam avançar. “O Brasil tem um excelente arcabouço legal, mas ele ainda pode ser melhor. União, Estados e Municípios precisam trabalhar de forma harmônica, porque quem cumpre a lei fica perdido com tantas exigências distintas”, afirmou.
Ela também ressaltou a necessidade de acompanhar a evolução tecnológica e integrar todos os elos da cadeia, “não adianta fomentar a coleta seletiva se a indústria da reciclagem está a 300 quilômetros de distância. Todos os elos precisam estar na mesma escala, caso contrário, a música desafina”. Anicia ainda destacou o papel da cultura e do consumidor na separação correta dos resíduos e chamou atenção para os entraves fiscais, “enquanto a matéria-prima virgem for mais barata do que a reciclada, a reciclagem não vai avançar”.
Renata Camargo, gerente de Sustentabilidade da ÚNICA – União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia, enfatizou a mudança positiva no diálogo entre o setor privado e os órgãos ambientais. “Alguns anos atrás, dificilmente haveria tanta abertura. Que bom que hoje podemos conversar abertamente com quem nos fiscaliza”, avaliou.
Apresentando o setor sucroenergético como um “case” nacional de economia circular, Renata lembrou que “se aproveita de tudo na cana-de-açúcar”, desde a produção de etanol, açúcar e bioeletricidade até biogás, biometano e bioplásticos. Ela destacou o potencial energético da vinhaça, “uma fábrica de potássio no quintal das usinas”, e reforçou a importância do setor para o Estado, “143 usinas respondem por 36,6% da matriz energética paulista”.
Renata também apontou oportunidades na transição energética: “O carro flex abastecido com etanol no Brasil tem pegada de carbono menor do que um veículo elétrico na Europa ou nos Estados Unidos. Isso mostra o quanto somos competitivos e sustentáveis.”
Encerrando o painel, Antônio Januzzi, diretor técnico da ABREMA, apresentou a evolução do setor de resíduos e os avanços na valorização de materiais. Segundo ele, “o setor vem buscando cada vez mais a valorização dos subprodutos, como o combustível derivado de resíduos e o biometano.”
Ao explicar o processo de obtenção de CDR – Combustível Derivado de Resíduos e as limitações impostas pelo resíduo úmido, Januzzi ressaltou a importância da segregação e da tecnologia para ampliar a recuperação: “Quando o resíduo chega misturado, perdemos oportunidades de reciclagem. Mas, mesmo assim, conseguimos valorizar a fração com potencial energético, substituindo biomassa e combustíveis fósseis.”
Ele destacou, ainda, o papel do biometano como alternativa alinhada à economia circular, “a fração orgânica, que representa mais de 50% do resíduo brasileiro, tem enorme potencial energético quando corretamente tratada”.
O painel evidenciou que o setor privado já atua de forma decisiva na construção da economia circular, mas ainda enfrenta desafios estruturais. A integração entre regulações, tecnologia, logística e cultura do consumo aparece como eixo central para acelerar a transição e impulsionar novos modelos produtivos sustentáveis.
Terceiro painel
Soluções Regionais e Gestão Integrada reuniu representantes de Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul para discutir caminhos práticos de regionalização e fortalecimento da gestão integrada. A mesa, moderada por Fabrício Soler, destacou experiências estaduais, avanços regulatórios e modelos de cooperação capazes de impulsionar eficiência, inclusão social e sustentabilidade.
A secretária de Meio Ambiente de Minas Gerais, Marília Carvalho de Melo, iniciou apontando que “o crescimento populacional nos traz grandes desafios de gestão ambiental, especialmente em temas como resíduos sólidos e recursos hídricos.” Ela destacou que a transição para a economia circular exige instrumentos regulatórios robustos e lembrou que Minas regulamentou, em 2024, a logística reversa para diversos produtos. “Hoje, 45 mil empresas já comprovaram estar inseridas em algum sistema de logística reversa”, afirmou.
Marília também apresentou o processo de regionalização em tramitação na Assembleia Legislativa, a estruturação de concessões regionalizadas e os esforços para encerramento dos 193 lixões ainda existentes. “Estamos atacando o problema em três etapas, priorizando o maior alcance populacional e a viabilidade das soluções”, disse. A secretária também destacou a importância da inclusão social, “trouxemos um papel decisivo para os catadores na implementação da logística reversa”, citando o programa Bolsa Reciclagem como referência nacional.
Na sequência, o subsecretário de Recursos Hídricos e Saneamento do Estado de São Paulo, Cristiano Kenji, apresentou as ações da SEMIL voltadas ao fortalecimento da gestão municipal e ao avanço da regionalização. “Estamos com uma diretoria estruturada para trabalhar especificamente o tema, com capacitação, revisão do Plano Estadual e ampliação da logística reversa”, explicou.
Kenji ressaltou o programa Integra Resíduos, que já reúne 344 municípios: “O objetivo é viabilizar a regionalização com apoio técnico e financeiro do Estado, aproveitando a infraestrutura existente e promovendo valorização dos resíduos e inclusão social”. Ele também reforçou a necessidade de acelerar novas soluções diante da redução da vida útil dos aterros, “temos aterros com menos de dois anos de vida útil, o que demanda ação imediata e planejamento regional”.
Encerrando o painel, Ruhan Lima, coordenador de Projetos Ambientais do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul, relatou a experiência bem-sucedida do estado em reverter o cenário da destinação final. Segundo ele, “em cinco anos, conseguimos inverter o pêndulo: antes, 80% dos resíduos iam para disposição inadequada; hoje, 80% estão em locais adequados”. Ruhan afirmou que o avanço ocorreu mesmo sem consórcios formalizados, graças à atuação articulada entre municípios, governo estadual e órgãos de controle. “O importante é organizar o sistema e oferecer apoio técnico contínuo para que as soluções se consolidem.”
A mediação de Fabrício Soler destacou a convergência entre os estados e a necessidade de cooperação federativa para ampliar resultados.
Nas considerações finais, o assessor da Diretoria de Gestão Corporativa e Sustentabilidade da Cetesb, Anselmo Guimarães, destacou a importância da continuidade do diálogo iniciado neste evento.
Ele reforçou que o encerramento presencial não representa o fim das discussões. “Esperamos que o evento tenha cumprido seus objetivos, mas vamos prosseguir com esse trabalho, com essa mobilização”.
Informou ainda que posteriormente será consolidado um documento final, no formato de Resumo Executivo, contendo o registro das contribuições e propostas, que servirá de memória do evento, para inspirar novas oportunidades.
