A poluição do ar tem sido, desde a primeira metade do século XX, um grave problema nos centros urbanos industrializados, com a presença cada vez maior dos automóveis, que vieram a somar com as indústrias, como fontes poluidoras.
Desde o início da década de 1970 a CETESB já monitorava a qualidade do ar da Região Metropolitana de São Paulo e constatava a crescente contaminação, então gerada pelo parque industrial e pela frota de veículos.
No final da década de 1970 a RMSP apresentava elevada concentração de partículas totais em suspensão e dióxido de enxofre e já se vislumbrava a crescente participação das fontes móveis no total da emissão de poluentes. Em 1981 havia cerca de 2.500.000 veículos licenciados na RMSP.
Em 1977 A CETESB inaugurou seu laboratório de emissão veicular, pioneiro na administração pública e um dos primeiros no Brasil. A partir dele elaborou estudos que diagnosticaram a contribuição dos veículos na poluição do ar.
Por essa época devido à inexistência de legislação específica, não havia qualquer tipo de controle de emissões ou de pós-tratamento das mesmas, embarcadas nos veículos.
Começaram a ser feitos de forma sistemática ensaios de determinação dos poluentes no gás de escapamento de veículos, tanto novos quanto em uso, representativos da frota circulante. Nessa primeira metade da década de 1980 as principais indústrias de motores e veículos instaladas no Brasil, começaram a implantar e operar seus próprios laboratórios. Foi sendo criada, portanto uma extensa base de dados dos valores típicos de emissão dos veículos e motores de então.
O surgimento do Proconve
Nesse mesmo período foi introduzido o uso do etanol como combustível e também a adição de etanol na gasolina de forma sistemática e regulamentada. Essas ações levaram a redução na emissão de monóxido de carbono e também de chumbo já que com a adição do etanol a gasolina não necessitava mais do acréscimo de chumbo tetraetila, que agia como antidetonante da gasolina. O etanol anidro adicionado passou a desempenhar esse papel. Essa ação foi fundamental para que posteriormente se adotasse o catalisador automotivo, como elemento de redução nas emissões, já que o chumbo presente na gasolina é um agente envenenador que destrói irremediavelmente esse tipo de equipamento.
Mesmo esses avanços, no entanto não eram suficientes para garantir a qualidade do ar. De posse dos estudos realizados até então e com o auxílio de Michael Walsh, consultor da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OECD, um grupo de profissionais da CETESB preparou o primeiro texto que propunha a regulamentação para o controle das emissões de veículos e motores novos.
Essa minuta foi levada a Brasília pelo Governador Franco Montoro e pelo Secretário Especial Paulo Nogueira Neto, e encaminhada ao CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente. Em 06 de maio de 1986 o CONAMA publicou sua Resolução nº. 18, que estabeleceu uma política de controle de emissões de longo prazo, com exigências determinadas por fases, para que os diversos segmentos públicos e privados pudessem contar com tempo para incorporar as ações e tecnologias necessárias para a redução das emissões.
Estava criado o Proconve – Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores.
Os objetivos do Proconve
Entre os objetivos do Proconve estava não apenas a redução da emissão de poluentes, mas também a promoção do desenvolvimento tecnológico nacional e a melhoria da qualidade dos combustíveis. Propunha ainda conscientizar a população quanto à questão da poluição do ar e criar programas de inspeção e manutenção de veículos em uso.
O primeiro artigo do texto da Resolução CONAMA 18/1986 prevê os objetivos gerais:
- Reduzir os níveis de emissão de poluentes por veículos automotores visando o atendimento aos Padrões de Qualidade do Ar, especialmente nos centros urbanos;
- Promover o desenvolvimento tecnológico nacional, tanto na engenharia automobilística, como também em métodos e equipamentos para ensaios e medições da emissão de poluentes;
- Criar programas de inspeção e manutenção para veículos automotores em uso;
- Promover a conscientização da população com relação à questão da poluição do ar por veículos automotores;
- Estabelecer condições de avaliação dos resultados alcançados;
- Promover a melhoria das características técnicas dos combustíveis líquidos, postos à disposição da frota nacional de veículos automotores, visando a redução de emissões poluidoras à atmosfera.
O primeiro dos objetivos listados, “reduzir os níveis de emissão de poluentes por veículos automotores visando o atendimento aos Padrões de Qualidade do Ar, especialmente nos centros urbanos”. Os primeiros padrões paulistas de qualidade do ar foram publicados no Decreto Estadual 8.468, de 8 de setembro de 1976, antecipando os padrões nacionais estabelecidos pela Resolução CONAMA n° 3, em 1990.
Outro dos objetivos listados pela Resolução CONAMA n° 18/1986 que merece destaque é “estabelecer condições de avaliação dos resultados alcançados”. Tal diretriz é peça chave para subsidiar a formulação, o planejamento, ajustes, o direcionamento, a evolução e a expansão do conjunto normativo derivado.
A gestão do Proconve foi outorgada pelo CONAMA ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, órgão executivo federal à época subordinado à SEMA – Secretaria Especial do Meio Ambiente, precursora do atual Ministério do Meio Ambiente.
Simultaneamente, o IBAMA credenciou a CETESB, agência ambiental do Estado de São Paulo, para atuar como agente técnico e executivo do Proconve. Na ocasião a CETESB já dispunha de laboratório de ensaios de veículos, equipe capacitada e grande experiência nas questões de qualidade do ar e emissão veicular.
A partir de então as primeiras ações foram desenvolvidas, em especial junto à indústria fabricante de veículos, que passaram a submeter seus modelos a ensaios de emissão de forma a comprovar o atendimento dos padrões, bem como fornecer informações quanto aos volumes de vendas, construir infraestrutura de laboratórios de desenvolvimento e de ensaios.
A evolução dos limites máximos das emissões
Para se atingir o objetivo de “reduzir os níveis de emissão de poluentes” foram estabelecidos padrões de emissão para os tipos diferentes de veículos comercializados no mercado brasileiro, basicamente veículos leves (L), que incluíam automóveis de passageiros e veículos leves comerciais, e veículos pesados (P), que incluíam caminhões e ônibus.
Tais padrões foram se tornando mais restritivos ao longo do tempo, agrupados nas denominadas “fases do Proconve”. As fases foram introduzidas em intervalos de tempo irregulares, tanto àquelas que estabeleciam as emissões dos veículos leves como àquelas dos veículos pesados.
Em 2002 foi introduzido o Promot, programa de controle das emissões das motocicletas e veículos similares, num momento em que essa categoria de veículos começava a se tornar significativa em termos de emissão de poluentes atmosféricos. Isso devido ao fato do crescimento do uso desse veículo principalmente em grandes centros urbanos como resposta aos grandes congestionamentos.
Em 2011 então foi implantado também no âmbito do Proconve, o controle da emissão de máquinas agrícolas e rodoviárias, exigindo que também essa categoria de veículos passasse pelo processo de homologação e atendesse a limites específicos de emissão de poluentes atmosféricos e ruído.
A evolução da tecnologia veicular
Para atender os limites de emissão em consonância com a evolução das fases de controle estabelecidas pelo Proconve, os veículos incorporaram uma série de itens tecnológicos.
Podemos destacar a substituição do uso do carburador, dispositivo utilizado para a formação da mistura carburante (ar e combustível) nos veículos leves equipados com motores do ciclo Otto.
Em meados da década de 1990, para atender as fases L2 e L3 do Proconve, o carburador foi substituído pela injeção eletrônica, que proporciona uma dosagem mais precisa do volume de combustível disponibilizado na câmara de combustão do motor e em conjunto com a ignição eletrônica, um controle maior da queima da mistura e redução significativa das emissões. Esse controle permite o uso do catalisador, equipamento de tratamento dos gases da exaustão de alta eficiência e que reduziu de forma significativa a emissão dos veículos.
Tecnologia similar foi adotada nos veículos pesados somente em meados dos anos 2000 (injeção de diesel com controle eletrônico) e em 2012 adotou-se de forma generalizada o catalisador nessa categoria, com a utilização da tecnologia SCR (Selective Catalyst Reduction), responsável pela redução do principal poluente dos veículos diesel, o NOx.
Os combustíveis automotivos
Os combustíveis de aplicação veicular no Brasil são a gasolina, o diesel, o etanol e o gás natural (GNV). Eles sofreram uma série de alterações nas especificações nos últimos 30 anos, em especial por suas implicações na emissão veicular ou na tecnologia de controle das emissões.
As alterações começaram com a incorporação do etanol anidro na gasolina, a partir dos anos 1970, motivada principalmente pela crise do petróleo, que elevou de forma significativa os preços dos derivados. Foi criado em 1975 o Proálcool, que visava inicialmente promover o desenvolvimento da tecnologia de produção do combustível. Nesse período surgiu a mistura de etanol anidro na gasolina, que variou desde 5% até a taxa atualmente em vigor, de 27%, passando por períodos de menor percentual. Em 1978 os primeiros veículos a etanol hidratado. Atualmente não são fabricados veículos a etanol, mas os chamados flex-fuel[1], que podem utilizar gasolina, etanol ou qualquer mistura dos combustíveis.
No início da década de 1990 o Brasil eliminou o composto chumbo tetraetila ou tetraetilchumbo (C8H20Pb) misturado à gasolina. Esse composto era aditivado ao combustível para aumentar a octanagem do combustível evitar o fenômeno de detonação do motor. O chumbo liberado na combustão do aditivo provoca o recobrimento das superfícies dos catalisadores, reduzindo sua eficiência. Na época os catalisadores ainda não eram utilizados no Brasil, mas já se previa que seriam necessários para novas etapas de controle da emissão, conforme já ocorria em países com a legislação mais avançada, como nos EUA. Além disso, a própria emissão do chumbo na atmosfera após a combustão da gasolina nos motores provocava um grave risco de contaminação pela toxicidade à saúde humana.
Em substituição ao aditivo composto de chumbo foi introduzida uma parcela de 20% de etanol (C2H6O) anidro à gasolina. O uso dessa parcela de combustível oxigenado permitiu um ganho nas emissões, em especial a redução das emissões de monóxido de carbono (CO) nas primeiras fases do Proconve.
Em 2014, a especificação da gasolina sofre novas alterações, com destaque para a redução do teor máximo de enxofre para 50 mg/kg e reduções no teor de compostos olefínicos e aromáticos.
O diesel é utilizado predominantemente nos veículos comerciais, em especial caminhões e ônibus. Alguns modelos comerciais leves, como pick-ups e vans também utilizam diesel. O diesel comercializado no Brasil para a aplicação em veículos rodoviários recebe 10% de biodiesel e tem teor de enxofre limitado a 500 mg/kg, no chamado diesel comum, e de 10 mg/kg no diesel com baixo teor de enxofre, destinado a regiões metropolitanas e veículos equipados com sistema de controle de emissões com catalisador.
O GNV é utilizado de forma marginal no Brasil, com destaque para algumas regiões metropolitanas, como o Rio de janeiro.
Para a realização de ensaios de emissão e consumo em laboratório são utilizados combustíveis de referência, com especificações próprias. O percentual de mistura de etanol anidro na gasolina é fixado em 22%. No diesel não há mistura com biodiesel.
O futuro do Proconve
O Conama publicou em 2018 as Resoluções 490 e 492, que trazem as novas fases do Proconve L7 e P8 a partir de 2022. A nova fase L7 trará redução significativa dos vapores de combustíveis que se perdem na atmosfera, enquanto que a fase P8 deve reduzir significativamente a emissão dos óxidos de nitrogênio. Estas duas ações se complementam e deve ajudar na redução da formação dos compostos de oxidação na atmosfera dos grandes centros urbanos, sobretudo o gás ozônio. a.
A nova fase L8 a partir de 2025 traz uma mudança metodológica para aprovação nos processos de licenciamento, que deixará de ser por modelo de veículo e passará a ser pela média corporativa, exigindo que os veículos comercializados de uma empresa apresentem uma média de emissão que atenda limites progressivamente mais restritivos. Assim, se induz à produção de veículos de emissão zero (como elétricos), que compensem a produção de veículos que sejam mais emissores.
Acesse aqui as informações técnicas contendo o detalhamento dessas novas fases.
[1] Veículos flexfuel: Veículo cujo projeto permite o uso de gasolina C (gasolina comercial que possui etanol anidro em sua composição), etanol hidratado ou qualquer mistura entre os dois combustíveis