Autores: Marina Monné, Fernanda Abreu Tanure e Elton Gloeden

1 – Introdução

Os Estados Unidos da América, por meio da sua Agência Ambiental Federal (“USEPA”) e as Agências Ambientais Estaduais e Territoriais desenvolveram, a partir da década de 1970, vários programas e respectiva legislação sobre o gerenciamento de áreas contaminadas.

Conforme informações constantes da página eletrônica oficial da USEPA, as principais leis federais que incluem programas ou procedimentos relativos ao gerenciamento de áreas contaminadas são as seguintes:

  • Comprehensive Environmental Response, Compensation, and Liability Act (“CERCLA”), mais conhecida como Superfund;
  • Resource Conservation and Recovery Act (“RCRA”).

Essas Leis influenciaram fortemente na elaboração das legislações específicas sobre o Gerenciamento de Áreas Contaminadas (“GAC”) no Estado de São Paulo e no Brasil (ver Seção 2.1)

2 – Leis federais

2.1 – Superfund

A Lei de Resposta, Compensação e Responsabilidade Ambiental Abrangente, de 1980, também conhecida como CERCLA ou Superfund, dispõe sobre as regras legais de responsabilidade civil por dano ambiental no direito estadunidense. Especificamente, o CERCLA regula as responsabilidades e procedimentos em casos de liberação de substâncias lesivas ou perigosas no meio ambiente que causam sua degradação.

Para áreas com altos níveis de contaminação consideradas órfãs, ou seja, áreas onde o responsável legal não foi identificado ou quando este está impossibilitado de executar as medidas necessárias à remediação, a norma oportuniza a adoção de medidas mediatas e imediatas diretamente pelo governo federal. Para isso, disponibiliza, mediante um fundo financeiro (o Superfund), recursos econômicos para a USEPA realizar investigações e adotar medidas de intervenção nessas áreas [1]. Quando possível, a USEPA, por meio de ações judiciais, recupera os recursos aplicados. As atividades do Superfund são coordenadas pelo Office of Superfund Remediation and Tecchnology Innovation (OSRTI) e pelos órgãos ambientais estaduais de proteção ambiental ou de gestão de resíduos.

Normalmente, os locais incluídos no Superfund são áreas de disposição inadequada ou clandestina de resíduos perigosos ou locais onde ocorreram acidentes envolvendo a liberação de óleos e outras substâncias consideradas perigosas para a saúde humana e meio ambiente, que podem provocar danos ou riscos agudos aos bens a proteger.

O Superfund foi alterado pelo Superfund Amendments and Reauthorization Act (SARA) em 1986, entre outras várias inclusões, destaca-se o aumento dos recursos econômicos, maior envolvimento dos Estados nas diferentes fases; e possibilidade de participação do cidadão nas tomadas de decisão.

2.2 – RCRA

A Lei de Conservação e Recuperação de Recursos, de 1976, também conhecida como RCRA, estabelece o marco regulatório para o controle de resíduos perigosos e não perigosos, desde a sua geração até o destino final, a ser gerido pela USEPA.

Embora seu foco seja a prevenção de contaminações, a RCRA inclui mecanismos para o gerenciamento de áreas contaminadas. O programa é conhecido como RCRA Corrective Action, por meio do qual a USEPA ou a Agência Ambiental Estadual pode impor ao responsável legal por empreendimentos que tratam, armazenam ou eliminam resíduos perigosos investiguem e retirem as emissões perigosas no solo, águas subterrâneas, águas superficiais e ar, por meio de ações administrativas, ações civis, ações criminais ou acordos com as partes.

A RCRA também inclui o programa de intervenções em áreas contaminadas geradas por vazamentos em tanques de armazenamento de substâncias, conhecido como Programa UST (Leaking Underground Storage Tank (LUST) Trust Fund (LTF) corrective action).

3 – Revitalização de Brownfields

Tanto na lei e nos regulamentos do Superfund, quanto na RCRA, estão previstos procedimentos ou programas federais e estaduais para viabilizar a reutilização de áreas contaminadas e a revitalização de regiões com a presença de áreas abandonadas ou subutilizadas, com potencial de contaminação, ou áreas contaminadas conhecidas como “Brownfields”.

Destaca-se a emenda do Superfund publicada em 2002, Small Business Liability Relief and Brownfields Revitalization Act (Brownfields Amendments), que teve como finalidade incentivar a revitalização de áreas abandonadas ou subutilizadas, a fim de reintegrá-las à malha urbana e recuperar seu potencial econômico.

Além de expandir e clarificar algumas excludentes de responsabilidade previstas originalmente no CERCLA, a norma teve por foco demandar a investigação e remediação de áreas com menor grau de contaminação, que não representam, necessariamente, risco imediato à saúde ou ao meio ambiente e não seriam, portanto, elegíveis a acessar recursos do Superfund. A norma, assim, viabilizou auxílio financeiro federal para programas estaduais e locais de remediação, denominados Brownfield Programs.

Em 2018, o Congresso publicou nova emenda no Superfund, o Brownfields Utilization, Investment, and Local Development Act of 2018 (BUILD Act), ampliando as possibilidades de acesso a fundos para a remediação e incrementando os incentivos financeiros à reutilização de áreas contaminadas e à revitalização de regiões.

4 – Programas de remediação voluntária em âmbito estadual

Muitos Estados norte-americanos possuem programas voluntários locais, estabelecidos por meio de legislação, para promover a recuperação de brownfields. A participação nesses programas usualmente demanda que os proprietários informem ao órgão ambiental competente sobre a descoberta de eventual contaminação e elaborem proposta de remediação.

Uma vez cumpridos os requisitos de admissibilidade legalmente estipulados, o órgão ambiental e o responsável legal assumem compromissos mútuos, segundo os quais, usualmente, este se compromete a realizar investigação e remediação da contaminação para atingir os patamares definidos em âmbito estadual, e aquele fornece, em alguns casos, incentivos financeiros e algum nível de proteção quanto a eventuais demandas de terceiros por contaminação preexistente.

Os programas estaduais voluntários dependem, como visto, do engajamento dos responsáveis legais, mediante comunicações com os órgãos ambientais de controle, criando uma relação de confiabilidade entre o poder público e os responsáveis legais pelos brownfields. Por funcionarem com base em uma espécie de contrato entre as partes, a dinâmica desses processos não é impositiva e permite que os responsáveis liderem os processos técnicos de remediação, desde que respeitados os limites legais pertinentes. Com isso, os órgãos ambientais concentrarem sua atuação em áreas com altos índices de contaminação e em ações fiscalizatórias.

[1] “São elegíveis para obtenção de recursos do fundo áreas com altos níveis de contaminação que imponham riscos à saúde pública e ao meio ambiente. A identificação dessas áreas é feita por meio de um detalhado processo (EPA, 1992) que leva em conta uma série de critérios predeterminados (…)”. OLIVEIRA, Marina Monné. Áreas Contaminadas – Responsabilidade e Incentivos para a Remediação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021.